O circo do fogo

Floresta portuguesa: o desespero de hoje e a esperança no amanhã

Sandra Rocha*

 

 

 

Os últimos dias de Julho de 2005 estão a ser frescos, o que me deu tempo para voltar ao tema dos incêndios florestais em Portugal. Este tema já foi tão falado que parece que tudo está dito e redito, o que torna ainda mais incompreensível porque decorrido apenas um terço do período crítico de incêndios já tenha desaparecido mais área florestal do que a média dos últimos cinco anos.

(...) you don't know what you got 'til its gone

they paved paradise to put up a parking lot

they took all the trees and put them on a tree museum 

and charged everybody a dollar and a half to see them

in Big Yellow Taxi @ Counting Crows, 2003

Os dias frescos também nos deram alguma folga do verdadeiro “circo” mediático organizado diariamente pelas notícias dos diversos canais televisivos, onde se tira o máximo partido das correrias e desvario dos proprietários que não cortaram o mato em volta de suas casas durante o Inverno e agora choram para as câmaras. Não se assiste a uma tentativa de esclarecimento e educação da opinião pública, apenas interessa vender mais algumas pastas dentífricas ou detergentes no intervalo, pois é isso que faz mover este mundo.

Mas se podemos encontrar alguma desculpa para as televisões (pelo menos as privadas), é mais complicado perceber a inépcia das autoridades e a passividade (ou será conivência?) das populações e ficamos sem saber se existe alguma vontade real de mudar este estado de coisas.  

Este breve dossier sobre a floresta portuguesa tenta precisamente analisar a sua situação actual e lançar algumas pistas para uma melhor convivência entre a exploração e a conservação, um equilíbrio que terá que ser atingido se quisermos manter o nosso património ambiental como algo mais que uma fotografia num museu ou uma história contada pelos nossos avós, como diz a canção. 

Floresta mediterrâni-

ca: hotspot de biodiversida-

de em vias de extinção

A zona do Mediterrâneo foi identificada pelo WWF como uma das mais importantes, do ponto de vista ambiental, pela sua biodiversidade excepcional. As florestas mediterrânicas são lar de 25000 espécies de plantas, o que representa 10% das Angiospérmicas em apenas 1,6% da superfície da Terra. Estas florestas são também lar de espécies emblemáticas como o lince ibérico ou a águia de Bonelli.

Portugal, no contexto europeu, é considerado um país rico e diversificado em flora e fauna. Além das espécies tipicamente atlânticas, pode encontrar-se aqui um grande número de espécies de origem mediterrânica. Possui, para além disso, um elevado número de endemismos, assim como espécies consideradas como relíquias do ponto de vista genético e/ou biogeográfico. Para além da sua origem natural (Portugal encontra-se na convergência três regiões biogeográficas, com influências atlânticas e mediterrâneas) mas também os séculos de actividade humana que facultou condições ecológicas para uma evolução harmoniosa.

Actualmente, o fogo é a maior ameaça natural às florestas mediterrânicas, destruindo mais árvores que pragas, tempestades, terramotos, inundações, etc. Todos os anos mais de 50 mil fogos queimam cerca de 800 mil hectares de floresta mediterrânica, o equivalente a 1,7% da sua área total. Todos os países mediterrânicos da União Europeia têm sido atingidos por este problema, mas em Portugal a área ardida média anual mais que quadruplicou desde os anos 60 do século XX.  

Como resultado da intensificação dos fogos florestais, a capacidade dos ecossistemas mediterrânicos para recuperar naturalmente está muito reduzida, estando vastas áreas afectadas por perdas de biodiversidade, erosão do solo e escassez de água, pois o desaparecimento das florestas conduz, eventualmente, à desertificação.

Com este panorama sombrio, resta em Portugal uma (solitária) mancha florestal representativa do coberto natural da zona mediterrânica, o Parque Natural da Serra da Arrábida. Zona única a nível mundial, a Arrábida foi a primeira área a receber protecção do estado em resultado da luta contra as pedreiras, contra as estradas, contra a construção ilegal, contra tudo o que ainda hoje permanece...

Causas para os fogos florestais em Portugal

Ao contrário do que acontece noutras zonas do mundo, onde uma percentagem elevada dos fogos têm origem natural (geralmente relâmpagos), em Portugal (e nos outros países mediterrânicos) há uma predominância de fogos com origem humana. Os fogos naturais representam apenas entre 1 e 5% do total registado. 

Entre as causas conhecidas, a grande maioria dos fogos são involuntários (negligencia ou acidente) e directamente associados às práticas agrícolas e silvícolas, logo com origem em habitantes locais e só muito  raramente em turistas.  

Espantosamente, o aumento do número de fogos florestais está directamente relacionado com a melhoria das condições de vida das populações. As rápidas transformações económico-sociais que têm vindo a ocorrer levam a uma concentração da população nas cidades, à redução acentuada do crescimento populacional, abandono das terras aráveis e a um desinteresse pelos recursos florestais como fonte de energia. Por todos estes motivos, assiste-se a um aumento das zonas de baldio e a um desaparecimento das populações com um sentimento de responsabilidade pela floresta.

Surge, assim, uma série de situações com consequências trágicas para as florestas mediterrânicas:

  • perda da ligação directa entre o Homem e o seu ambiente – o desaparecimento das comunidades rurais e a falta de incentivos económicos levou à perda do conhecimento para conter os pequenos fogos florestais, que rapidamente podem sair do controlo. Pelo contrário, as antigas práticas agrícolas associadas ao pastoreio, agricultura e caça permaneceram, mas agora com resultados desastrosos devido ao aumento de biomassa seca e ao abandono rural;

  • redução do valor da madeira – com o colapso da economia rural, os donos das propriedades começaram a pressionar as autoridades locais para obter licenças de urbanização, rentabilizando assim as suas terras. O fogo também permite estimular o mercado madeireiro, pois as árvores queimadas têm que ser rapidamente abatidas e podem ser vendidas a preço inferior;

  • falta de compensações económicas – os donos das terras não vêem o seu papel na conservação da floresta reconhecido, tendo frequentemente que arcar com os custos adicionais de manutenção sem qualquer apoio estatal;

  • turismo – o desenvolvimento do turismo de massas e do aumento de casas de férias leva a um aumento sazonal da presença humana na floresta. Esta situação agrava-se com a construção de estradas, permitindo fácil acesso a zonas antes remotas e dificultando a vigilância.  

Tendências dos fogos florestais em Portugal

 

Estatística de ocorrências e área ardida até meados de Julho em 2005

Tendências dos fogos florestais em Portugal desde 1980

As causas dos fogos florestais em Portugal são muitas e complexas é facto, mas também é claro que, até agora, os sucessivos governos apenas têm investido em novos e dispendiosos meios de combate e investigação em vez de se tomarem medidas preventivas. 

Espantosamente,  em vez de aliviarem os problemas associados aos fogos, estas medidas apenas parecem aumentar a escala e o impacto dos fogos.

Em 2004 o investimento governamental em prevenção, vigilância e combate aos fogos florestais quadruplicou mas apesar disso o número de ocorrências duplicou e uma área superior de floresta foi destruída. Recorde-se também que, em 2004, o mês de Agosto foi invulgarmente fresco e húmido para o Verão português, o que compensou algumas das falhas na actuação institucional de combate.

Esta tendência continua a ser seguida em 2005, como se pode ver pelos dados do Relatório Provisório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, publicado a 13 de Julho, onde se registam mais 1678 incêndios florestais e mais 10211 hectares de área ardida do que no mesmo período do ano passado.

Portugal distingue-se pela negativa dos restantes países mediterrânicos pelo aumento acentuado e contínuo da área ardida, tendo sido responsável por mais de 58% da área ardida total em países da União Europeia e por 38% do número de fogos registados em 2003. Nesse ano terrível, 8,6% da floresta portuguesa desapareceu em cinzas. Os danos foram estimados em mais de €1000 milhões.  

Para evitar o argumento que este tipo de comparação entre países com áreas e políticas tão díspares não é rigoroso, a União Europeia criou o índice de severidade do fogo, que representa o percentil da área florestal ardida dentro da área de risco. O valor deste indicador para Portugal é de 3,02 enquanto noutros países mediterrânicos como a Espanha, Itália, França é, em média, de 0,7.  Apenas a Grécia tem valores superiores deste indicador, ainda que longe do valor português.  

Os culpados (e os ineptos) do costume

 

Cartografia das áreas ardidas nos últimos anos em Portugal

Em 2003, tal como em todos os anos anteriores e seguintes, foram apontados inúmeros factores excepcionais como culpados da situação calamitosa dos incêndios florestais: uma vaga de calor, uma seca extrema, incendiários, a falta de limpeza das matas, quase tudo o que quisermos, desde que a culpa não seja nossa. A verdade é que outros países do Mediterrâneo têm sofrido as mesmas condições climatéricas extremas e não tiveram, nem de perto, os mesmos problemas.

Não é aceitável que se espere até à véspera do início da época crítica para fazer sair legislação de base sobre prevenção de incêndios e o velho hábito de estar constantemente a mudar o "nome às coisas" (por exemplo a alteração de "época normal de fogos" para "período crítico") e às instituições, é incompatível com o estabelecimento de políticas e estratégias de longo prazo, fundamentais para podermos atacar o problema dos incêndios florestais em Portugal.

A questão da limpeza das matas é mais uma variante da atitude nacional de atirar as responsabilidades para cima de terceiros. A quantidade de biomassa produzida anualmente pelos matos é sensivelmente equivalente à produção anual de toda a floresta de pinheiro bravo em Portugal, com a diferença que esta biomassa não tem praticamente valor comercial. 

Ainda assim, merece menção, pela usa ousadia, a central termoeléctrica de Mortágua nas margens da albufeira da Aguieira, o único exemplo em Portugal de produção de electricidade a partir dessa biomassa. Este projecto, desenvolvido pela Electricidade de Portugal (EDP) e pelo Centro da Biomassa para a Energia (CBE) permite reduzir o risco de incêndio na zona e aumentar a independência energética do país.

Relativamente à falta de acessos, a densidade de caminhos florestais no nosso país é muitas vezes superior à existente em países com problemas semelhantes como os Estados Unidos, Canadá ou Austrália. A diferença é que nestes países o fogo se combate com pás e enxadas sempre que o terreno não permite fazer chegar uma viatura. Em Portugal espera-se que o fogo chegue até à estrada.  

A falta de aceiros (também conhecidos por barreiras corta-fogo) também é frequentemente apontada como uma das causas para as dificuldades no combate aos fogos. Um aceiro não é mais que uma faixa livre de vegetação, cuja largura depende do tipo de material combustível, da configuração do terreno e das condições meteorológicas esperadas na época de ocorrência de incêndios. 

Em áreas florestais, os aceiros não são suficientes para deter os fogos mas podem ser úteis como pontos de acesso aos carros de combate, desde que não se entre novamente na questão de "defender a estrada". Estes caminhos têm que ser mantidos, logo é necessário que exista pessoal (guardas-florestais e bombeiros) contratado em permanência e não apenas durante a época de maior perigo. 

Em Portugal, apenas em 1999 foram criadas as brigadas de sapadores florestais, da responsabilidade das Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Associações de Produtores Florestais e Comissões de Baldios e financiadas pelo Estado Português. Estas têm como funções promover a limpeza de matos, abertura e manutenção de caminhos, entre outras (fora da época normal de incêndios) e missões de vigilância, apoio a missões de combate, rescaldo e sensibilização das populações (durante a época de fogos).

Área ardida em zonas protegidas

A criação de áreas protegidas poderia parecer uma forma de proteger a floresta mas não é o que se verifica todos os anos.

Uma avaliação, entre 1992 e 1998, da relação entre o número de fogos e a respectiva área ardida nas áreas protegidas, revela uma redução bastante apreciável da área ardida em 1997, verificando-se também uma subida bastante acentuada em 1998. Como se pode observar no gráfico ao lado, o número de fogos duplicou e a área ardida passou de 1.530 ha em 1997 para cerca de 13.200 ha em 1998. Na realidade, cerca de 29% da área ardida em Portugal, no ano de 1998, ocorreu em áreas protegidas.  

Mais recentemente, grandes incêndios devastaram áreas importantes de zonas protegidas na Arrábida, Serras da Estrela e do Açor, S. Mamede e incontáveis outras.

A criação de áreas protegidas em zonas habitadas, uma quase obrigatoriedade em Portugal, leva a abusos e permissividade por parte dos proprietários e autarquias. As construções ilegais estendem-se pelo interior da floresta, levando a que vastas áreas de património ambiental único sejam deixadas para pasto das chamas enquanto os bombeiros as protegem a mando das autarquias, tantas vezes corrompidas pelo poder do dinheiro.

O Plano Rede Natura para 2005 já prevê o aumento da área da floresta tradicional em 10% e uma maior conservação dos espaços ainda existentes, reconvertendo áreas de montado, eliminando completamente o uso agrícola e de pastorícia, interditando a alteração do uso do solo (para habitação, por exemplo), prevenindo o risco de incêndio, condicionando fortemente o trânsito de pessoas e veículos e incluindo estas zonas em reservas a criar no futuro. Mas será este plano adequadamente executado?

Se os sobreiros e as azinheiras (que representam cerca de 37% da floresta portuguesa) já são protegidos pelo D.L. nº169/2001 de 25 de Maio, os carvalhos autóctones (Quercus faginea, Quercus robur e Quercus pyrenaica), que constituem apenas 4% da nossa floresta actual, não possuem qualquer protecção legal. É frequente assistir-se à sua destruição sem qualquer autorização, apesar da crucial importância ecológica que apresentam como fontes de biodiversidade animal e vegetal. Neste sentido, é essencial que o Governo promova a sua conservação, mesmo quando não integrados em áreas protegidas ou classificadas, pelo valor ambiental e porque são mais resistentes ao fogo, tal como definido na Directiva 92/43/CEE de 21 de Maio.

O Relatório do Estado do Ambiente de 1998” já referia de forma detalhada o número e designação das espécies portuguesas conhecidas, bem como o seu estado de protecção. As principais zonas de ocorrência da vegetação natural portuguesa são o litoral rochoso ou arenoso, com especial destaque para a costa sudoeste, o nordeste transmontano e o planalto central da Serra da Estrela mas a sua sobrevivência está na corda bamba.

Existem cerca de 3000 espécies de Traqueófitas identificadas, das quais 124 são protegidas. Em 1996 foi possível completar estudos relacionados com a distribuição, biologia, evolução, potencial e estado de conservação para 293 espécies de flora que, conjuntamente com a aplicação da Directiva Habitats, permitiu concluir que 56% das espécies diminuíram a sua área de ocorrência, 26% aumentaram e 18% mantiveram a mesma área de ocorrência. No que diz respeito à fauna, a publicação em 1990, do Livro Vermelho dos Vertebrados em Portugal, também revelou um número elevado de espécies ameaçadas, como revela o quadro seguinte.

Grupo taxonómico

Total de espécies

Nº de espécies ameaçadas

% espécies ameaçadas

Mamíferos

90

40

44%

Peixes dulçaquícolas e migradores

28

22

79%

Répteis

29

9

31%

Anfíbios

17

2

12%

Aves

300

87

29%

Peixes marinhos e estuarinos

531

64

12%

Flora

3000

293

10%

Total

3995

517

13%

 

 

Consequên-

cias menos óbvias dos fogos florestais em Portugal

As consequências destes fogos desenfreados vão bem para além do desaparecimento das florestas e da sua biodiversidade.

Os fogos florestais destroem as camadas superficiais do solo, alterando as taxas de infiltração das águas da chuva e impedindo a acumulação de água. As camadas férteis, ricas em matéria orgânica, degradam-se após o incêndio, sendo facilmente arrastadas pelas chuvas, o que para além de desertificar as áreas ardidas vai causar sérios problemas a nível da qualidade da água em rios e albufeiras.

Em Portugal, a água de abastecimento público provém em grande parte de grandes albufeiras como Castelo de Bode, rodeadas todos os anos por alguns dos maiores incêndios, logo em risco devido à erosão das encostas adjacentes.

Também na qualidade do ar o impacto dos grandes incêndios florestais é importante. Para além da acumulação de monóxido de carbono e partículas nas zonas afectadas, surge a questão da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera.

O aumento da concentração de dióxido de carbono, o principal gás de efeito de estufa, é o responsável pelas alterações climáticas responsáveis pelas condições extremas a que, cada vez mais, vamos assistindo: ondas de calor, secas extremas, inundações, tufões, etc.

No quadro do Protocolo de Quioto, de que Portugal é signatário, as nossas emissões de CO2 para o período de 1990 a 2010 não podem aumentar mais que 27% e já em 2001 se atingiu um aumento de 36,5%. Sabendo-se que as florestas são um importante sumidouro de CO2, surge-nos um problema duplo com o seu desaparecimento pois teremos que arranjar outras formas para fazer desaparecer os 4% de CO2 que permanecerão na atmosfera.  

Aspectos económicos da floresta (e dos fogos)

A questão central da gestão e conservação da floresta portuguesa é o longo prazo do seu processo produtivo: uma geração planta e outra geração colhe o produto. Surgem daqui uma série de consequências, directamente derivadas dum investimento de longo prazo e de baixa rendibilidade financeira.

Assim, a floresta não é um investimento atractivo quando se consideram apenas os seus resultados económicos directos, mesmo quando ligado a uma já poderosa indústria instalada, importante em termos do seu papel na balança comercial, e que depende da sua matéria-prima. Não há, pois, investimento sustentado na expansão da arborização, no aumento dos níveis técnicos e económicos da gestão, contando-se apenas com os resultados económicos directos dos proprietários (os quais representam mais de 90% do território florestal do País).

“Nas condições tão frequentemente ingratas de solo e de clima do nosso País, o sobreiro é uma árvore preciosa. Nenhuma outra espécie florestal, que se lhe avantaje ou pelo menos iguale em valimento, consegue vegetar em terras tão secas e tão pobres e em condições de clima tão adversas por vezes à vegetação lenhosa. Nenhuma árvore dá mais exigindo tão pouco. (…) Extensões enormes, do Norte ao Sul de Portugal, e até agora pouco mais do que improdutivas, podem ser valorizadas pela subericultura. Confrange encontrar ainda, especialmente no Sul do Alentejo, áreas extensíssimas nos terrenos pobres do carbónico submetidas à cultura cerealífera mais primitiva, com poisios de oito e dez anos, e onde o sobreiro, nascido pelos acasos da disseminação natural, é exterminado pela relha da charrua ou destruído pelos gados. Terrenos pobríssimos das nossas serras, mas com aptidões florestais; charnecas de vegetação degradada que apenas proporcionam mesquinha pastagem; terras miseráveis de centeio em alcantilados serros, hoje fácil presa à erosão, podem ser utilmente revestidas pelo sobreiro.” 

- in Subericultura, Natividade, J.V. (1950) .

A madeira, a cortiça e a resina são os produtos da floresta portuguesa com maior impacto na economia portuguesa. As folhosas são pouco significativas, em área, no território continental, havendo por isso pouca produção de madeira. 

Em contrapartida, no que diz respeito à cortiça, Portugal é o primeiro produtor mundial, abarcando cerca de 55% da produção mundial. Os nossos montados são lar de um terço da população mundial de sobreiros, uma responsabilidade acrescida perante o património ambiental mundial.

O sobreiro é a única árvore capaz de produzir cortiça de forma sustentável e com qualidades físicas e químicas para manter um sector industrial florescente e altamente rentável. Natural, renovável, biodegradável e reciclável, qualidades invejadas pelos substitutos sintéticos, constituem razões mais que suficientes para a escolha da cortiça. A parte maior do mercado da cortiça é a produção de rolhas. Mais de 15 mil milhões de rolhas de cortiça são utilizadas no mercado internacional de vinhos, representando 80% do valor da matéria-prima colhida. Outros produtos de cortiça, como revestimento de pavimento ou parede, materiais de isolamento e outras aplicações industriais, são quase por completo o resultado da reciclagem dos restos da produção de rolhas. 

De acordo com a Análise do Milénio sobre Ecossistemas, a valorização económica dos serviços ambientais prestados pelo ecossistema florestal, como a protecção do solo, corresponde a 20% do valor económico dos serviços de ecossistemas prestados pela floresta, estimado em pelo menos 900 milhões de euros por ano. A caça é um dos mais importantes serviços recreativos em florestas, com um valor económico estimado anual de 60 milhões de euros. Os montados representam um dos exemplos de sistemas tradicionais sustentáveis de uso de solo na Europa. Contudo, desde os anos 60 que o montado tem sofrido um declínio, face ao aumento da produção de trigo e em anos mais recentes, face às alterações tecnológicas e económicas e da PAC. A densidade de árvores tem vindo a diminuir e os sobreiros têm-se tornado mais vulneráveis, particularmente a insectos e a fungos parasitas, como resultado da mecanização do trabalho, da fertilização crescente e da elevada densidade de gado. 

O castanheiro também tem vindo a perder terreno nas Beiras e em Trás-os-Montes. Só no distrito da Guarda, a produção de castanha chegou a atingir as três mil toneladas, mas desde há alguns anos que decaiu para as 300 toneladas. Após o surgimento de algumas pragas, os incêndios e o elevado preço da madeira do castanheiro, que tem levado ao abate de um significativo número destas árvores, são os principais factores do desaparecimento de algumas manchas de castanheiros no distrito. 

No sentido de recuperar os tempos áureos do castanheiro existem programas e subsídios governamentais que tentam cativar produtores para a plantação de soutos e para a produção de castanha. O maior problema do castanheiro e a chamada “doença da tinta”, que dizima soutos inteiros e para a qual não se encontrou até ao momento soluções concretas. A única forma eficaz de combate parece ser o abate e queima das árvores infectadas.

O eucalipto está rapidamente a ganhar terreno no território continental português, devido ao seu elevado teor de celulose. Árvore de crescimento rápido e adaptada a condições difíceis, é plantado num sistema de monocultura e colhido após 8 -10 anos para a industria do papel.

No seu total, a floresta portuguesa fornece 165000 empregos directos (260000 no total), contribui com 3,2% do Produto Interno Bruto (12% do PIB industrial) e representa 11% das exportações totais portuguesas.

Relação entre os quatro principais tipos de floresta em Portugal

A evolução recente da produção florestal, tem mostrado um decréscimo na produção de madeira, cortiça e resina. O gráfico ao lado reflecte não só esta realidade mas também o facto de o pinhal e o montado ainda serem as formações florestais com maior relevo em Portugal.  

A evolução da área florestal nos últimos anos, no sentido da expansão da área de eucalipto em detrimento da área de pinheiro bravo, origina um coberto pobre onde pouca ou nenhuma flora ou fauna se desenvolvem, podendo aumentar, desta forma, a sensibilidade a incêndios, a erosão, a desertificação dos solos e mesmo o assoreamento de rios.  

Mas, pelo contrário, o negócio do combate aos incêndios vai de vento em popa! 

A Força Aérea comprou material no valor de 400 mil euros, preparou tripulações, e, até 1996, os aviões C-130 ajudavam no combate aos fogos florestais. Nesse ano, o programa desapareceu do plano de combate aos fogos sem que nenhuma explicação fosse apresentada publicamente. Todos os anos o Estado gasta mais de 24 milhões de euros no aluguer de meios aéreos para combater os fogos. As aeronaves e seus pilotos são pagos à hora e (este ano, como nos anteriores) o número de horas acordado é sistematicamente ultrapassado, com custos que todos pagamos. Mas todos os anos o governo justifica a não aquisição de meios aéreos próprios com a falta de verbas.

Por outro lado, os meios aéreos também não são a panaceia para todos os males que frequentemente se refere. A sua eficácia depende de muitos factores, nomeadamente a predominância de material combustível rasteiro, relevo pouco acentuado, pouco fumo produzido pelo incêndio, distâncias curtas a fontes de água, vento não acima dos 40 Km/h e altura do dia (amanhecer e pôr-do-sol dificultam a visão do piloto).  

Após o lançamento de água ou retardantes ter uma acção positiva sobre o fogo é também necessário que o pessoal sapador em terra actue de imediato. As caldas retardantes apenas permitem ganhar tempo, é no solo que o fogo tem que ser realmente apagado. Muitas vezes perde-se o beneficio das descargas porque o pessoal de terra não complementa de imediato o ataque do meio aéreo.

Gestão sustentada: o futuro da floresta portuguesa nas nossas mãos

É urgente um ordenamento e gestão adequados da floresta portuguesa, sob pena de este património inestimável para Portugal e para o mundo desaparecer em cinzas.

Os espaços florestais têm que ser diversificados, garantindo uma boa integração entre as zonas de produção e de conservação, pois se é verdade que a área florestal até aumentou desde a década de 40 do século XX, também é verdade que isso se deve à plantação intensiva de espécies de crescimento rápido (pinheiro bravo e eucalipto), usadas pelas industrias de papel e madeireira.

A área total de floresta tem aumentado mas à custa do desaparecimento de espécies mediterrânicas

As grandes extensões de monoculturas, propensas ao fogo descontrolado, devem ser proibidas, optando-se antes por um mosaico de espécies de crescimento rápido e folhosas nativas, que tornam a floresta mais resistente ao fogo.

A diversidade biológica das florestas depende da sua composição e estrutura vertical (árvores mais ou menos altas, arbustos, ervas e outras plantas), pois quanto mais diversificadas o forem mais habitats (abrigo e alimento) fornecem aos animais.

Este tipo de floresta mantém as temperaturas moderadas pois reduz as perdas de calor por convecção e radiação, para além de ter um maior valor estético e recreativo.

As comunidades animais dos povoamentos florestais puros e regulares (como os de pinheiro bravo ou eucalipto) é reconhecidamente pobre quando comparada com a de outros biótipos naturais ou antropogénicos, como é o caso das áreas agrícolas que constituem padrões diversificados de ocupação do solo, dos sistemas agrícolas extensivos e dos montados com diferentes tipos de coberto arbóreo.  

Nos últimos anos muito tem sido feito para contrariar os efeitos dessa homogeneidade em sistemas florestais. Estudos têm revelado que a diversidade de habitats, proporcionada por povoamentos florestais constituídos por árvores de várias idades, de espécies diferentes (resinosas e folhosas) e em diversos estados de sucessão, constitui um fomento para a biodiversidade.  A presença de árvores mortas também é crucial, dada a sua importância espécies cavernícolas.  

A manutenção de corredores para a fauna, que consistem tão somente em faixas estreitas de habitat arbustivo e herbáceo, tem um efeito benéfico pois permite um aumento nas populações de insectos e seus predadores.

Uma floresta diversificada e saudável é compatível com uma exploração comercial de madeira e outros produtos

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma mudança nos objectivos dos modelos de gestão. Estes deixaram de ser  somente modelos de produção de madeira, para passarem a ser modelos de gestão sustentável de ecossistemas naturais e/ou artificiais, gerindo esses recursos de um ponto de vista económico, social e também ambiental.  

A manutenção de áreas de resinosas e folhosas e a relação espécies autóctones/exóticas são aspectos fundamentais quando se pretende gerir áreas florestais sem deixar de lado as questões ambientais e conservacionistas. 

Pequenas lagoas (naturais ou artificiais) são cruciais pois as comunidades de vegetação lenhosa ribeirinha (folhosas) que lhes estão associadas podem proporcionar um incremento considerável no número e diversidade de nichos disponíveis para a fauna. Para além da existência da própria água, proporcionam o estabelecimento de uma vegetação ripícola (constituída maioritariamente por folhosas), que beneficiará não só o habitat terrestre, mas também o aquático.  

Assim, estes locais poderão contribuir para o enriquecimento faunístico de uma determinada área, pois estabelecem uma linha de fronteira e constituem uma transição entre o habitat terrestre e o aquático, favorecendo assim a riqueza do habitat e da fauna e flora que lhe está associada. 

A vegetação associada a estes habitats, maciços de plantas de porte arbustivo e arbóreo baixo, pode favorecer a presença de grande parte das espécies de aves de um pinhal ou eucaliptal adjacente, bem como o aparecimento de espécies que preferem o habitat proporcionado pelas folhosas. Podem ainda fornecer locais de nidificação e de alimentação para as espécies que  procuram invertebrados, os quais se encontram na casca das árvores.

A conservação dos ecossistemas florestais, e mais concretamente, o fomento da biodiversidade, deve ser um dos requisitos da gestão florestal. Para além do seu valor conservacionista, as comunidades animais são fundamentais para o equilíbrio de todo o sistema: as aves, por exemplo, regulam as populações de muitas pragas que afectam espécies florestais, comprometendo a produção de madeira, frutos e sementes. Contribuem deste modo para a manutenção do bom estado sanitário da nossa floresta.

A fauna e flora de zonas silvestres pode ainda contribuir para o rendimento de uma exploração florestal, quer através da caça e da pesca, do turismo ou mesmo através da exploração de outros produtos da floresta, como o mel, as plantas medicinais, os cogumelos, etc.

A utilização destas espécies nativas, bem adaptadas ao clima de Verão quente e seco português, em jardins e outros espaços públicos pode ajudar a motivar as populações para a importância da sua conservação, contribuindo também para uma importante poupança de água de irrigação.

 

 

* Bióloga e professora de Biologia na Escola Secundária de Amora, Seixal

 

 

Para saber mais: Referências

Direcção-Geral dos Recursos Florestais 

European Center for Nature Conservation

Instituto de Conservação da Natureza    

Liga para a Protecção da Natureza    

Quercus

WWF - The Global Conservation Organization

Análise do Milénio sobre Ecossistemas

2.6 • BIODIVERSIDADE

Biodiversidade em chamas I

Biodiversidade em chamas II- na encruzilhada

Biodiversidade em Zonas Florestais

Biodiversity Reporting Award

Combate a incêndios florestais

Determinação das causas dos incêndios florestais em 2002

Direcção-Geral das Florestas

Direcção-Geral dos Recursos Florestais

Em nome da Floresta Portuguesa

Forest fires in the Mediterranean

Forest Problems- Forest Fires

Incêndios florestais: expectativas de 2003 e realidades de 2004

Instituto de Conservação da Natureza

Inventário Florestal Nacional

Key threats in the Mediterranean region

Mediterranean Cork Oak Forests

Mediterranean Forests, Woodlands and Scrub - A Global 200 Ecoregion

Naturlink

Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza

Rede Natura 2000

Sustentabilidade das políticas florestais públicas

The Ecology of Forest Fires

WWF Cork Oak Landscapes Programme

WWF - the conservation organization

WWF Newsroom

 

 

simbiotica.org

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