O circo
do fogo
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Floresta portuguesa: o desespero de hoje e a esperança no amanhã Sandra Rocha*
Os últimos dias de Julho de 2005 estão a ser frescos, o que me deu tempo para voltar ao tema dos incêndios florestais em Portugal. Este tema já foi tão falado que parece que tudo está dito e redito, o que torna ainda mais incompreensível porque decorrido apenas um terço do período crítico de incêndios já tenha desaparecido mais área florestal do que a média dos últimos cinco anos.
Os dias frescos também nos deram alguma folga do verdadeiro “circo” mediático organizado diariamente pelas notícias dos diversos canais televisivos, onde se tira o máximo partido das correrias e desvario dos proprietários que não cortaram o mato em volta de suas casas durante o Inverno e agora choram para as câmaras. Não se assiste a uma tentativa de esclarecimento e educação da opinião pública, apenas interessa vender mais algumas pastas dentífricas ou detergentes no intervalo, pois é isso que faz mover este mundo. Mas
se podemos encontrar alguma desculpa para as televisões (pelo menos as
privadas), é mais complicado perceber a inépcia das autoridades e a
passividade (ou será conivência?) das populações e ficamos sem
saber se existe alguma vontade real de mudar este estado de coisas. Este breve dossier sobre a floresta portuguesa tenta precisamente analisar a sua situação actual e lançar algumas pistas para uma melhor convivência entre a exploração e a conservação, um equilíbrio que terá que ser atingido se quisermos manter o nosso património ambiental como algo mais que uma fotografia num museu ou uma história contada pelos nossos avós, como diz a canção. |
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Floresta mediterrâni- ca: hotspot de biodiversida- de em vias de extinção |
A
zona do Mediterrâneo foi identificada pelo WWF como uma das mais importantes,
do ponto de vista ambiental, pela sua biodiversidade excepcional. As florestas
mediterrânicas são lar de 25000 espécies de plantas, o que representa 10% das
Angiospérmicas em apenas 1,6% da superfície da Terra. Estas florestas são
também lar de espécies emblemáticas como o lince ibérico ou a águia de
Bonelli. Portugal,
no contexto europeu, é considerado um país rico e diversificado em flora
e fauna. Além das espécies tipicamente atlânticas, pode encontrar-se aqui um
grande número de espécies de origem mediterrânica. Possui, para além disso,
um elevado número de endemismos, assim como espécies consideradas como relíquias
do ponto de vista genético e/ou biogeográfico. Para além da sua origem natural
(Portugal encontra-se na convergência três regiões biogeográficas, com influências
atlânticas e mediterrâneas) mas também os séculos de actividade humana
que facultou condições ecológicas para uma evolução harmoniosa. Actualmente,
o fogo é a maior ameaça natural às florestas mediterrânicas,
destruindo mais árvores que pragas, tempestades, terramotos, inundações, etc.
Todos os anos mais de 50 mil fogos queimam cerca de 800 mil hectares de floresta
mediterrânica, o equivalente a 1,7% da sua área total. Como
resultado da intensificação dos fogos florestais, a capacidade dos
ecossistemas mediterrânicos para recuperar naturalmente está muito reduzida,
estando vastas áreas afectadas por perdas de biodiversidade, erosão do solo e
escassez de água, pois o desaparecimento das florestas conduz, eventualmente,
à desertificação. Com este panorama sombrio, resta em Portugal uma (solitária) mancha florestal representativa do coberto natural da zona mediterrânica, o Parque Natural da Serra da Arrábida. Zona única a nível mundial, a Arrábida foi a primeira área a receber protecção do estado em resultado da luta contra as pedreiras, contra as estradas, contra a construção ilegal, contra tudo o que ainda hoje permanece... |
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Causas para os fogos florestais em Portugal |
Ao
contrário do que acontece noutras zonas do mundo, onde uma percentagem elevada
dos fogos têm origem natural (geralmente relâmpagos), em Portugal (e nos
outros países mediterrânicos) há uma predominância de fogos com origem
humana. Os fogos naturais representam apenas entre 1 e 5% do total registado. Entre
as causas conhecidas, a grande maioria dos fogos são involuntários
(negligencia ou acidente) e directamente associados às práticas agrícolas e
silvícolas, logo com origem em habitantes locais e só muito
raramente em turistas. Espantosamente,
o aumento do número de fogos florestais está directamente relacionado com a
melhoria das condições de vida das populações. As rápidas transformações
económico-sociais que têm vindo a ocorrer levam a uma concentração da população
nas cidades, à redução acentuada do crescimento populacional, abandono das
terras aráveis e a um desinteresse pelos recursos florestais como fonte de
energia. Por todos estes motivos, assiste-se a um aumento das zonas de baldio e
a um desaparecimento das populações com um sentimento de responsabilidade pela
floresta. Surge, assim, uma série de situações com consequências trágicas para as florestas mediterrânicas:
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Tendências dos fogos florestais em Portugal |
As causas dos fogos florestais em Portugal são muitas e complexas é facto, mas também é claro que, até agora, os sucessivos governos apenas têm investido em novos e dispendiosos meios de combate e investigação em vez de se tomarem medidas preventivas. Espantosamente, em
vez de aliviarem os problemas associados aos fogos, estas medidas apenas parecem
aumentar a escala e o impacto dos fogos. Em
2004 o investimento governamental em prevenção, vigilância e combate aos
fogos florestais quadruplicou mas apesar disso o número de ocorrências
duplicou e uma área superior de floresta foi destruída. Recorde-se também
que, em 2004, o mês de Agosto foi invulgarmente fresco e húmido para o Verão
português, o que compensou algumas das falhas na actuação institucional de
combate. Esta
tendência continua a ser seguida em 2005, como se pode ver pelos dados do Relatório
Provisório da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, publicado a 13 de
Julho, onde se registam mais 1678 incêndios florestais e mais 10211 hectares de
área ardida do que no mesmo período do ano passado. Portugal
distingue-se pela negativa dos restantes países mediterrânicos pelo aumento
acentuado e contínuo da área ardida, tendo sido responsável por mais de 58%
da área ardida total em países da União Europeia e por 38% do número de
fogos registados em 2003. Nesse ano terrível, 8,6% da floresta portuguesa
desapareceu em cinzas. Os danos foram estimados em mais de €1000 milhões. Para
evitar o argumento que este tipo de comparação entre países com áreas e políticas
tão díspares não é rigoroso, a União Europeia criou o índice
de severidade do fogo, que representa o percentil da área florestal ardida
dentro da área de risco. O valor deste indicador para Portugal é de 3,02
enquanto noutros países mediterrânicos como a Espanha, Itália, França é, em
média, de 0,7. Apenas a Grécia tem
valores superiores deste indicador, ainda que longe do valor português. |
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Os
culpados (e os ineptos) do costume
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Em
2003, tal como em todos os anos anteriores e seguintes, foram apontados inúmeros
factores excepcionais como culpados da situação calamitosa dos incêndios
florestais: uma vaga de calor, uma seca extrema, incendiários, a falta de
limpeza das matas, quase tudo o que quisermos, desde que a culpa não seja nossa. A verdade
é que outros países do Mediterrâneo têm sofrido as mesmas condições climatéricas
extremas e não tiveram, nem de perto, os mesmos problemas. Não
é aceitável que se espere até à véspera do início da época crítica para
fazer sair legislação de base sobre prevenção de incêndios e o velho hábito
de estar constantemente a mudar o "nome às coisas" (por exemplo a
alteração de "época normal de fogos" para "período crítico")
e às instituições, é incompatível com o estabelecimento de políticas e
estratégias de longo prazo, fundamentais para podermos atacar o problema dos
incêndios florestais em Portugal. A questão da limpeza das matas é mais uma variante da atitude nacional de atirar as responsabilidades para cima de terceiros. A quantidade de biomassa produzida anualmente pelos matos é sensivelmente equivalente à produção anual de toda a floresta de pinheiro bravo em Portugal, com a diferença que esta biomassa não tem praticamente valor comercial. Ainda assim,
merece menção, pela usa ousadia, a central
termoeléctrica de Mortágua nas margens da albufeira da Aguieira, o único
exemplo em Portugal de produção de electricidade a partir dessa biomassa. Este
projecto, desenvolvido pela Electricidade de Portugal (EDP) e pelo Centro da
Biomassa para a Energia (CBE) permite reduzir o risco de incêndio na zona e
aumentar a independência energética do país. Relativamente
à falta de acessos, a densidade de caminhos florestais no nosso país é muitas
vezes superior à existente em países com problemas semelhantes como os Estados
Unidos, Canadá ou Austrália. A diferença é que nestes países o fogo se
combate com pás e enxadas sempre que o terreno não permite fazer chegar uma
viatura. Em Portugal espera-se que o fogo chegue até à estrada. A falta de aceiros (também conhecidos por barreiras corta-fogo) também é frequentemente apontada como uma das causas para as dificuldades no combate aos fogos. Um aceiro não é mais que uma faixa livre de vegetação, cuja largura depende do tipo de material combustível, da configuração do terreno e das condições meteorológicas esperadas na época de ocorrência de incêndios. Em áreas florestais, os aceiros não são suficientes para deter os fogos mas podem ser úteis como pontos de acesso aos carros de combate, desde que não se entre novamente na questão de "defender a estrada". Estes caminhos têm que ser mantidos, logo é necessário que exista pessoal (guardas-florestais e bombeiros) contratado em permanência e não apenas durante a época de maior perigo. Em Portugal, apenas em 1999 foram criadas as brigadas de sapadores florestais, da responsabilidade das Juntas de Freguesia, Câmaras Municipais, Associações de Produtores Florestais e Comissões de Baldios e financiadas pelo Estado Português. Estas têm como funções promover a limpeza de matos, abertura e manutenção de caminhos, entre outras (fora da época normal de incêndios) e missões de vigilância, apoio a missões de combate, rescaldo e sensibilização das populações (durante a época de fogos).
A criação de áreas protegidas poderia parecer uma forma de proteger a floresta mas não é o que se verifica todos os anos. Uma
avaliação, entre 1992 e 1998, da relação entre o número de fogos e a
respectiva área ardida nas áreas protegidas, revela uma redução bastante
apreciável da área ardida em 1997, verificando-se também uma subida bastante
acentuada em 1998. Como se pode observar no gráfico ao lado, o número de
fogos duplicou e a área ardida passou de 1.530 ha em 1997 para cerca de 13.200
ha em 1998. Mais recentemente, grandes incêndios devastaram áreas importantes de zonas protegidas na Arrábida, Serras da Estrela e do Açor, S. Mamede e incontáveis outras. A criação de áreas protegidas em zonas habitadas, uma quase obrigatoriedade em Portugal, leva a abusos e permissividade por parte dos proprietários e autarquias. As construções ilegais estendem-se pelo interior da floresta, levando a que vastas áreas de património ambiental único sejam deixadas para pasto das chamas enquanto os bombeiros as protegem a mando das autarquias, tantas vezes corrompidas pelo poder do dinheiro.
O Plano Rede Natura para 2005 já prevê o aumento da área da floresta
tradicional em 10% e uma maior conservação dos espaços ainda existentes,
reconvertendo áreas de montado, eliminando completamente o uso agrícola e de
pastorícia, interditando a alteração do uso do solo (para habitação, por
exemplo), prevenindo o risco de incêndio, condicionando fortemente o trânsito
de pessoas e veículos e incluindo estas zonas em reservas a criar no futuro.
Mas será este plano adequadamente executado? Se
os sobreiros e as azinheiras (que representam cerca de 37% da floresta
portuguesa) já são protegidos pelo D.L. nº169/2001 de 25 de Maio, os
carvalhos autóctones (Quercus faginea, Quercus robur e Quercus
pyrenaica), que constituem apenas 4% da nossa floresta actual, não possuem
qualquer protecção legal. É
frequente assistir-se à sua destruição sem qualquer autorização, apesar da
crucial importância ecológica que apresentam como fontes de biodiversidade
animal e vegetal. Neste
sentido, é essencial que o Governo promova a sua conservação, mesmo quando não
integrados em áreas protegidas ou classificadas, pelo valor ambiental e porque
são mais resistentes ao fogo, tal como definido na Directiva 92/43/CEE de 21 de
Maio. O
Relatório do Estado
do Ambiente de 1998” já referia de forma detalhada o número e designação
das espécies portuguesas conhecidas, bem como o seu estado de protecção. Existem
cerca de 3000 espécies de Traqueófitas identificadas, das quais 124 são
protegidas. Em 1996 foi possível completar estudos relacionados com a distribuição,
biologia, evolução, potencial e estado de conservação para 293 espécies de
flora que, conjuntamente com a aplicação da Directiva Habitats,
permitiu concluir que 56% das espécies diminuíram a sua área de ocorrência,
26% aumentaram e 18% mantiveram a mesma área de ocorrência.
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Consequên- cias
menos óbvias dos fogos florestais em Portugal |
As
consequências destes fogos desenfreados vão bem para além do desaparecimento
das florestas e da sua biodiversidade. Os
fogos florestais destroem as camadas superficiais do solo, alterando as taxas de
infiltração das águas da chuva e impedindo a acumulação de água. As
camadas férteis, ricas em matéria orgânica, degradam-se após o incêndio,
sendo facilmente arrastadas pelas chuvas, o que para além de desertificar as áreas
ardidas vai causar sérios problemas a nível da qualidade da água em rios e
albufeiras. Em
Portugal, a água de abastecimento público provém em grande parte de grandes
albufeiras como Castelo de Bode, rodeadas todos os anos por alguns dos maiores
incêndios, logo em risco devido à erosão das encostas adjacentes. Também
na qualidade do ar o impacto dos grandes incêndios florestais é importante.
Para além da acumulação de monóxido de carbono e partículas nas zonas
afectadas, surge a questão da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera.
O
aumento da concentração de dióxido de carbono, o principal gás de efeito de
estufa, é o responsável pelas alterações climáticas responsáveis pelas
condições extremas a que, cada vez mais, vamos assistindo: ondas de calor,
secas extremas, inundações, tufões, etc. No
quadro do Protocolo de Quioto, de que Portugal é signatário, as nossas emissões
de CO2 para o período de 1990 a 2010 não podem aumentar mais que
27% e já em 2001 se atingiu um aumento de 36,5%. Sabendo-se que as florestas são
um importante sumidouro de CO2, surge-nos um problema duplo com o seu
desaparecimento pois teremos que arranjar outras formas para fazer desaparecer
os 4% de CO2 que permanecerão na atmosfera. |
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Aspectos económicos da floresta (e dos fogos) |
A
questão central da gestão e conservação da floresta portuguesa é o longo
prazo do seu processo produtivo: uma geração planta e outra geração colhe o
produto. Surgem daqui uma série de consequências, directamente derivadas dum investimento
de longo prazo e de baixa
rendibilidade financeira. Assim,
a floresta não é um investimento atractivo quando se consideram apenas os seus
resultados económicos directos, mesmo quando ligado a uma já poderosa indústria
instalada, importante em termos do seu papel na balança comercial, e que
depende da sua matéria-prima. Não há, pois, investimento sustentado na expansão
da arborização, no aumento dos níveis técnicos e económicos da gestão,
contando-se apenas com os resultados económicos directos dos proprietários (os
quais representam mais de 90% do território florestal do País).
A madeira, a cortiça e a resina são os produtos da floresta portuguesa com maior impacto na economia portuguesa. As folhosas são pouco significativas, em área, no território continental, havendo por isso pouca produção de madeira. Em contrapartida, no que diz
respeito à cortiça, Portugal é o primeiro produtor mundial, abarcando cerca
de 55% da produção mundial. O sobreiro é a única árvore capaz de produzir cortiça de forma sustentável e com qualidades físicas e químicas para manter um sector industrial florescente e altamente rentável. Natural, renovável, biodegradável e reciclável, qualidades invejadas pelos substitutos sintéticos, constituem razões mais que suficientes para a escolha da cortiça. A parte maior do mercado da cortiça é a produção de rolhas. Mais de 15 mil milhões de rolhas de cortiça são utilizadas no mercado internacional de vinhos, representando 80% do valor da matéria-prima colhida. Outros produtos de cortiça, como revestimento de pavimento ou parede, materiais de isolamento e outras aplicações industriais, são quase por completo o resultado da reciclagem dos restos da produção de rolhas. De
acordo com a Análise do Milénio sobre Ecossistemas, a valorização económica
dos serviços ambientais prestados pelo ecossistema florestal, como a protecção
do solo, corresponde a 20% do valor
económico dos serviços de ecossistemas prestados pela floresta, estimado em
pelo menos 900 milhões de euros por ano. O castanheiro também tem vindo a perder terreno nas Beiras e em Trás-os-Montes. Só no distrito da Guarda, a produção de castanha chegou a atingir as três mil toneladas, mas desde há alguns anos que decaiu para as 300 toneladas. Após o surgimento de algumas pragas, os incêndios e o elevado preço da madeira do castanheiro, que tem levado ao abate de um significativo número destas árvores, são os principais factores do desaparecimento de algumas manchas de castanheiros no distrito. No sentido de recuperar os tempos áureos do castanheiro existem programas e subsídios governamentais que tentam cativar produtores para a plantação de soutos e para a produção de castanha. O maior problema do castanheiro e a chamada “doença da tinta”, que dizima soutos inteiros e para a qual não se encontrou até ao momento soluções concretas. A única forma eficaz de combate parece ser o abate e queima das árvores infectadas. O eucalipto está rapidamente a ganhar terreno no território continental português, devido ao seu elevado teor de celulose. Árvore de crescimento rápido e adaptada a condições difíceis, é plantado num sistema de monocultura e colhido após 8 -10 anos para a industria do papel. No
seu total, a floresta portuguesa fornece 165000 empregos directos (260000 no
total), contribui com 3,2% do Produto Interno Bruto (12% do PIB industrial) e
representa 11% das exportações totais portuguesas.
A
evolução recente da produção florestal, tem mostrado um decréscimo na produção
de madeira, cortiça e resina. O gráfico ao lado reflecte não só esta
realidade mas também o facto de o pinhal e o montado ainda serem as formações
florestais com maior relevo em Portugal. A
evolução da área florestal nos últimos anos, no sentido da expansão da área
de eucalipto em detrimento da área de pinheiro bravo, origina um coberto pobre
onde pouca ou nenhuma flora ou fauna se desenvolvem, podendo aumentar, desta
forma, a sensibilidade a incêndios, a erosão, a desertificação dos solos e
mesmo o assoreamento de rios. Mas, pelo contrário, o negócio do combate aos incêndios vai de vento em popa! A Força Aérea comprou material no valor de 400 mil euros, preparou tripulações, e, até 1996, os aviões C-130 ajudavam no combate aos fogos florestais. Nesse ano, o programa desapareceu do plano de combate aos fogos sem que nenhuma explicação fosse apresentada publicamente. Todos os anos o Estado gasta mais de 24 milhões de euros no aluguer de meios aéreos para combater os fogos. As aeronaves e seus pilotos são pagos à hora e (este ano, como nos anteriores) o número de horas acordado é sistematicamente ultrapassado, com custos que todos pagamos. Mas todos os anos o governo justifica a não aquisição de meios aéreos próprios com a falta de verbas. Por outro lado, os meios aéreos também não são a panaceia para todos os males que frequentemente se refere. A sua eficácia depende de muitos factores, nomeadamente a predominância de material combustível rasteiro, relevo pouco acentuado, pouco fumo produzido pelo incêndio, distâncias curtas a fontes de água, vento não acima dos 40 Km/h e altura do dia (amanhecer e pôr-do-sol dificultam a visão do piloto). Após o lançamento de água ou retardantes ter uma acção positiva sobre o fogo é também necessário que o pessoal sapador em terra actue de imediato. As caldas retardantes apenas permitem ganhar tempo, é no solo que o fogo tem que ser realmente apagado. Muitas vezes perde-se o beneficio das descargas porque o pessoal de terra não complementa de imediato o ataque do meio aéreo. |
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Gestão sustentada: o futuro da floresta portuguesa nas nossas mãos |
É
urgente um ordenamento e gestão adequados da floresta portuguesa, sob pena de
este património inestimável para Portugal e para o mundo desaparecer em
cinzas. Os
espaços florestais têm que ser diversificados, garantindo uma boa integração
entre as zonas de produção e de conservação, pois se é verdade que a área
florestal até aumentou desde a década de 40 do século XX,
também é verdade que isso se deve à plantação intensiva de espécies de
crescimento rápido (pinheiro bravo e eucalipto), usadas pelas industrias de
papel e madeireira.
As grandes extensões de monoculturas, propensas ao fogo descontrolado, devem ser proibidas, optando-se antes por um mosaico de espécies de crescimento rápido e folhosas nativas, que tornam a floresta mais resistente ao fogo. A
diversidade biológica das florestas depende da sua composição e estrutura
vertical (árvores mais ou menos altas, arbustos, ervas e outras plantas), pois
quanto mais diversificadas o forem mais habitats (abrigo e alimento) fornecem
aos animais. Este
tipo de floresta mantém as temperaturas moderadas pois reduz as perdas de calor
por convecção e radiação, para além de ter um maior valor estético
e recreativo. As comunidades animais dos povoamentos florestais puros e regulares (como os de pinheiro bravo ou eucalipto) é reconhecidamente pobre quando comparada com a de outros biótipos naturais ou antropogénicos, como é o caso das áreas agrícolas que constituem padrões diversificados de ocupação do solo, dos sistemas agrícolas extensivos e dos montados com diferentes tipos de coberto arbóreo. Nos
últimos anos muito tem sido feito para contrariar os efeitos dessa
homogeneidade em sistemas florestais. Estudos têm revelado que a
diversidade de habitats, proporcionada por povoamentos florestais constituídos
por árvores de várias idades, de espécies diferentes (resinosas e folhosas) e
em diversos estados de sucessão, constitui um fomento para a biodiversidade.
A presença de árvores mortas também é crucial, dada a sua importância espécies
cavernícolas. A
manutenção de corredores para a fauna, que consistem tão somente em faixas
estreitas de habitat arbustivo e herbáceo, tem um efeito benéfico pois permite
um aumento nas populações de insectos e seus predadores.
Nos
últimos anos, tem-se assistido a uma mudança nos objectivos dos modelos de
gestão. Estes deixaram de ser somente
modelos de produção de madeira, para passarem a ser modelos de gestão sustentável
de ecossistemas naturais e/ou artificiais, gerindo esses recursos de um ponto de
vista económico, social e também ambiental. A manutenção de áreas de resinosas e folhosas e a relação espécies autóctones/exóticas são aspectos fundamentais quando se pretende gerir áreas florestais sem deixar de lado as questões ambientais e conservacionistas. Pequenas
lagoas (naturais ou artificiais) são cruciais pois as comunidades de
vegetação lenhosa ribeirinha (folhosas) que lhes estão associadas
podem proporcionar um incremento considerável no número e diversidade de
nichos disponíveis para a fauna. Assim, estes locais poderão contribuir para o enriquecimento faunístico de uma determinada área, pois estabelecem uma linha de fronteira e constituem uma transição entre o habitat terrestre e o aquático, favorecendo assim a riqueza do habitat e da fauna e flora que lhe está associada. A
vegetação associada a estes habitats, maciços de plantas de porte arbustivo e
arbóreo baixo, pode favorecer a presença de grande parte das espécies de aves
de um pinhal ou eucaliptal adjacente, bem como o aparecimento de espécies que preferem o
habitat proporcionado pelas folhosas. Podem ainda fornecer locais de nidificação
e de alimentação para as espécies que procuram invertebrados, os quais
se encontram na casca das árvores. A conservação dos ecossistemas florestais, e mais concretamente, o fomento da biodiversidade, deve ser um dos requisitos da gestão florestal. Para além do seu valor conservacionista, as comunidades animais são fundamentais para o equilíbrio de todo o sistema: as aves, por exemplo, regulam as populações de muitas pragas que afectam espécies florestais, comprometendo a produção de madeira, frutos e sementes. Contribuem deste modo para a manutenção do bom estado sanitário da nossa floresta. A
fauna e flora de zonas silvestres pode ainda contribuir para o rendimento de uma
exploração florestal, quer através da caça e da pesca, do turismo ou mesmo
através da exploração de outros produtos da floresta, como o mel, as plantas
medicinais, os cogumelos, etc. A
utilização destas espécies nativas, bem adaptadas ao clima de Verão quente e
seco português, em jardins e outros espaços públicos pode ajudar a motivar as
populações para a importância da sua conservação, contribuindo também para
uma importante poupança de água de irrigação. * Bióloga e professora de Biologia na Escola Secundária de Amora, Seixal
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