Baleias Francas do Atlântico Norte: 

o empurrão final para a extinção?*

 

Sandra Rocha**

Os baleeiros consideravam estes animais Eubalaena glacialis, a baleia ideal para caçar pois são nadadoras lentas, migram perto da costa e flutuam quando mortas. A facilidade com que eram abordadas, devido à sua curiosidade e temperamento dócil, levou a que fossem apelidadas de baleias francas, designação que permaneceu até à actualidade.

A caça comercial à baleia, para obtenção de óleo e barbas, foi uma industria rentável durante mais de 800 anos. O óleo era usado para lamparinas e, mais recentemente, em produtos cosméticos. As barbas eram transformadas e usadas em espartilhos, guarda-chuvas, leques, molas de relógio, escovas de cabelo, entre outros artigos. 

Actualmente, apesar de quase 70 anos de protecção, a baleia franca do Atlântico Norte, a primeira espécie de cetáceo a ser protegido por leis internacionais, ainda não recuperou o seu efectivo. No entanto, sob as mesmas regras, outras espécies de baleias, como a baleia cinzenta, por exemplo, já mais que triplicaram o seu efectivo. 

Os cientistas suspeitam que a recuperação tenha vindo a falhar devido a numerosos factores, nomeadamente degradação de habitat, ferimentos e mortes devidos a hélices e equipamento de pesca, e competição por alimento. Restam cerca de 300 baleias francas no Atlântico Norte, e colisões com navios são responsáveis por cerca de 50% das mortes por causas conhecidas. Estes animais são lentos por natureza, mas são-no especialmente quando acompanhados por crias. Com apenas a zona dorsal plana exposta à superfície, são difíceis de detectar a partir de navios grandes e rápidos. 

O habitat das baleias francas está igualmente a ser destruído ou perdido para operações militares ou de comércio marítimo em regiões cruciais para a sobrevivência da espécie. A poluição dessas áreas com efluentes domésticos, perfurações petrolíferas e minas de fósforo permanece uma preocupação. Os poluentes reduzem a abundância das presas e parecem ter efeitos negativos nas próprias baleias. 

Outra condicionante importante é a naturalmente baixa taxa reprodutora destas baleias, agora associada a uma mortalidade elevada (comparada com a de outras baleias), devido a factores humanos e naturais. Existem evidências que apontam para a existência de competição por alimento com outras espécies de baleias e mesmo com alguns peixes, o que pode estar a limitar o crescimento do seu efectivo populacional. As baleias Sei ou o arenque, por exemplo, que se alimentam do mesmo tipo de crustáceo minúsculo conhecido por copépode, parecem estar a expandir-se em direcção aos antigos habitats da baleia franca. 

No final do Inverno, as baleias francas deslocam-se para sul, em direcção ao golfo do Maine, onde se alimentam de copépodes antes da época reprodutora. As baleias atingem a maturidade sexual entre os 5 e os 9 anos de idade, com as fêmeas a dar à luz uma única cria a cada 3 ou 5 anos. As crias nascem no Inverno, ao longo da costa sudeste americana e são amamentadas durante pelo menos 9 meses. Assim, para se reproduzir, uma fêmea necessita de acumular enorme quantidade de gordura, pelo que uma redução da concentração de zooplâncton pode ter sérias repercussões  na taxa de natalidade da espécie, provocando abortos ou impedindo a produção de leite em quantidade suficiente para sustentar a cria, que acabará por morrer. 

Vários estudos recentes, publicados em revistas científicas como Frontiers In Ecology And The Environment ou a Nature, associam a concentração de copépodes à oscilação do Atlântico Norte (NAO em inglês), um padrão de circulação atmosférica que afecta a temperatura da água do oceano, causando um fenómeno vulgarmente conhecido como La Niña, devido à semelhança com a oscilação do sul ou El Niño (ENSO, em inglês). Estudos anteriores demonstraram a influência da ENSO nos ecossistemas do Pacífico, levantando a óbvia questão: será que a NAO tem o mesmo tipo de acção sobre os ecossistemas do Atlântico Norte? Estes estudos dizem que sim. 

Como o seu primo do Pacífico El Niño, a NAO diz-se que é positiva ou negativa: quando positiva, as águas profundas do golfo do Maine tornam-se mais quentes e salgadas, perfeitas para o desenvolvimento de grandes quantidades de zooplâncton. Esta situação resulta do reforço dos ventos quentes que se dirigem para oeste, causando temperaturas amenas no Inverno na América do Norte. Um período de NAO negativa conduz a águas mais frias e doces, reduzindo a concentração de copépodes. De acordo com estas investigações, a alteração de estado da NAO demora cerca de 2 anos a afectar a concentração de zooplâncton, mas dado que estes são o principal alimento dos juvenis de muitos peixes e de todas as baleias de barbas, as variações da NAO terão acentuadas implicações nas populações destes organismos. 

Um período de stress reprodutor de 2 anos nas baleia franca, ocorrido entre 1999 e 2000, pode ser relacionada com uma brusca e acentuada alteração na NAO em 1996, seguida do declínio da abundância de copépodes em 1998. No final de 2002, ocorreu outra reviravolta negativa na NAO, pelo que, se esta hipótese é correcta, são de esperar reduções no efectivo de copépodes no Inverno de 2004, com um importante efeito na taxa de nascimentos das baleias francas. 

Com todos estes aspectos negativos, muitos cientistas temem que não existam baleias suficientes para que a espécie recupere. O efeito gargalo genético levou ao aumento dos cruzamentos consanguíneos entre as poucas centenas de baleias que restam, reduzindo severamente a capacidade de reprodução bem sucedida e, pelo menos em parte, contribuindo para a elevada taxa de mortalidade entre os jovens que se verifica. 

Os números mais recentes mostram que a taxa de crescimento da população de baleias francas é de -2,4% ao ano, razão suficiente para que muitos investigadores considerem inevitável a extinção em cerca de 200 anos. Mas com estes novos estudos, a extinção pode estar muito mais perto do que se pensava, especialmente se as condições no Atlântico Norte se alterarem devido ao aquecimento global. 

Uma nota final para realçar alguns pontos chave desta situação, um bom exemplo pois a protecção aos grandes cetáceos voltou às notícias, mas que infelizmente reflecte outras situações menos publicitadas: 

  • nenhuma espécie é uma ilha, tudo está interligado de uma forma muito mais complexa do que nos conseguimos aperceber;
  • pequenas acções podem ter efeitos dramáticos e não previstos;
  • as ameaças à sobrevivência de muitas espécies são numerosas e nenhum programa de protecção pode estar restrito a uma delas (combate à baleia, por exemplo, neste caso); 
  • talvez seja tempo de enfrentarmos que algumas destas batalhas conservacionistas estão perdidas e dirigir os nossos esforços e dinheiro para outras que ainda possam ser vencidas (temos uma tendência para começar a combater as situações apenas quando se atinge o desespero, vamos agora começar a proteger habitats e espécies antes que se atinja a situação da baleia franca);
  • a conservação é uma questão global, temas como a alteração do clima e aquecimento global afectam-nos a todos, não apenas a algumas pequenas ilhas no Pacífico que estão a ser engolidas pela subida das águas. 

* disponível em inglês no site da  Greenpeace

** Bióloga e professora de Biologia na Escola Secundária de Amora, Seixal                                                                                                                                                   TOPO

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