Evolução da classificação em reinos |
Num qualquer sistema de classificação os taxa hierarquicamente mais elevados incluem indivíduos de grande diversidade, sendo pouco naturais. Este problema levou a que a divisão em reinos tenha variado enormemente ao longo dos tempos. |
Classificação em dois reinos (Aristóteles e Lineu, séc. IV - XVIII) |
Tradicionalmente,
os organismos vivos foram divididos em dois reinos claramente distintos: as plantas
e os animais. Neste
tipo de classificação, as plantas eram todos os organismos fixos e sem uma
forma claramente definida, capazes de fabricar matéria orgânica a partir de
fontes inorgânicas – autotrofia -,
enquanto os animais eram todos os restantes organismos, devida livre, com
forma definida e dependentes da matéria orgânica (plantas ou outros animais)
para a sua nutrição – heterotrofia. Há medida que mais dados iam sendo recolhidos,
principalmente de estrutura microscópica e metabolismo, a sua maioria
confirmava a total separação dos dois grandes reinos. Assim, as plantas
apresentavam todas espessas paredes celulares celulósicas, enquanto as células
animais apresentavam outros compostos no seu interior. Esta divisão simples dos organismos parecia tão óbvia e bem definida para os organismos macroscópicos que o problema causado pelos fungos, que não pareciam encaixar bem nas plantas, era facilmente esquecido. |
Classificação em três reinos (Haeckel, 1834) |
Após a invenção do microscópio por Van Leeuwenhoek, a sua utilização na investigação revelou uma miríade de organismos microscópicos, não visíveis a olho nu. Rapidamente ficou claro que a distinção entre animais e plantas não podia ser facilmente aplicada a este nível. Alguns deste seres podiam ser facilmente comparados com algas macroscópicas e incluídos nas plantas, outros poderiam ser incluídos nos animais mas ainda restavam muitos com combinações estranhas de características de animal e de planta. Para
complicar ainda mais a situação, a teoria de Darwin da evolução tinha sido
aceite como representativa da realidade, e considerava que todos os organismos
tinham um ancestral comum. Era óbvio que um ancestral comum às plantas e aos
animais não poderia ser nenhum deles, sendo necessário criar um novo grupo
onde se pudesse incluí-lo. A
solução foi proposta pelo cientista alemão Ernst Haeckel, que realizou
estudos microscópicos da enorme variedade de organismos unicelulares, tendo
concluído que as primeiras formas de vida teriam sido muito simples, sem a
complexidade estrutural que já observava nos unicelulares que estudou. Chamou
a esses organismos primitivos moneres,
tendo-os dividido em zoomoneres (bactérias) e phytomoneres (cianobactérias).
O desenvolvimento de células mais complexas, contendo núcleo, era, na sua
opinião, o resultado de diferenciação do citoplasma. Para
acomodar estes moneres, bem como outros organismos unicelulares, Haeckel criou
um terceiro reino a que chamou Protista. Neste reino colocou todos os
seres que não apresentavam tecidos diferenciados, incluindo seres
unicelulares e coloniais. Haeckel
reconheceu uma série de subdivisões no seu reino Protista. A principal
subdivisão era entre os grupos semelhantes às plantas – Protophytes – e
os semelhantes aos animais – Protozoa -, reconhecidos pelos seus pelos seus
metabolismos diferentes. Também necessitava de um terceiro grupo onde colocar
todos os protistas que não eram claramente semelhantes às plantas ou aos
animais, os protistas atípicos. A distinção entre células com e sem núcleo
estavam subordinadas a estas três categorias, com os organismos sem núcleo a
formar um pequeno grupo dentro dos protistas atípicos. Haeckel salienta várias vezes que a distinção entre animais e plantas era artificial, mantida apenas por respeito à tradição vigente, mas sem relevância para a filogenia dos grupos. Através das árvores filogenéticas que construiu, é claro que considerava que os Protozoa um grupo polifilético, que surgiu várias vezes através da perda de metabolismo autotrófico que Haeckel assumia, com base puramente teórica, que existia nos organismos ancestrais. O terceiro reino de Haeckel, o reino Protista, não foi aceite de forma geral, talvez porque o seu próprio criador estivesse relutante em quebrar a tradição dos dois reinos. |
Classificação em quatro reinos de Copeland (1956) |
O sistema de Copeland foi expressamente criado para ser natural, representado, da forma mais aproximada possível, a organização do mundo vivo. Baseia-se me dados de estrutura celular, constituintes químicos e a ontogenia dos organismos. Na sua visão, os organismos sem núcleo adquiriram, de alguma forma, esse organito e a diversidade dos organismos nucleados é um outro avanço. Na sua classificação, o reino Protista de Haeckel é dividido em Mychota e Protoctista. O
reino Mychota inclui todos os organismos procariontes e o reino Protoctista
todos os eucariontes que não são animais ou plantas. O
reino Plantae inclui todos os organismos
com cloroplastos verdes, um conjunto claramente definido de pigmentos e que
produzem sacarose, amido e celulose. Assim, neste sistema, as algas verdes são
incluídas nas plantas, enquanto as algas vermelhas e castanhas, bem como os
fungos e todos os unicelulares restantes fazem parte do reino Protoctista. Para Copeland, as algas verdes representam a origem evolutiva das plantas superiores, que são incluídas no reino das plantas. A origem dos animais parece mais obscura: o mais perto que chega de identificar um grupo ancestral dos animais superiores é colocar a hipótese de que os coanoflagelados representam a origem evolutiva das esponjas e, seguidamente, de todo o reino animal. Os protoctistas derivam das cianobactérias, razão da origem única da fotossíntese. No
sistema de Copeland, três grupos são reconhecidos com base na presença de
características mas os Protoctista são definidos negativamente: tudo que
tenha núcleo e não é animal nem planta. Isto torna os Protoctista não um
grupo distinto mas uma espécie de caixote do lixo para criaturas que não
cabem nos restantes grupos, um conjunto parafilético sem identidade
evolutiva. Copeland
tinha consciência disso mas a sua separação dos procariontes num reino é
actualmente aceite sem reticências. A falta de naturalidade do reino
Protoctista levou à proliferação de tentativas para reconhecer grupos mais
naturais com estatuto semelhante ao das plantas e dos animais. |
Classificação em cinco reinos de Whittaker (1969) |
O sistema de Whittaker reconhece cinco reinos, os mesmos
quatro de Copeland e um reino separado para os fungos – Fungi
-, que Copeland incluiu nos Protoctista. Para além disso, Whittaker faz algumas alterações na forma
como o que resta do reino Protoctista é circunscrito, em resposta à limitação
pouco satisfatória de Copeland. Whittaker tenta dar uma definição mais
positive do reino Protoctista limitando o reino a organismos unicelulares ou
quando muito coloniais, mas não multicelulares. Os organismos multicelulares,
como as algas vermelhas ou castanhas, são incluídas num dos reinos Plantae, Fungi e
Animalia.
Este sistema tem uma excepção nas algas verdes, que são todas incluídas
nas plantas, apesar deste grupo conter organismos uni e multicelulares. Ao mesmo tempo, ele altera o nome do reino de Protoctista
para Protista, o que não está de acordo
com a lei da prioridade mas que tem sido seguida por alguns autores, como
forma de distinguir entre o reino com e sem organismos multicelulares. Whittaker reconhece que esta delimitação torna os reinos Plantae, Fungi e Animalia polifiléticos, mas aceita esse facto, pois permite-lhe distinguir grandes linhas evolutivas com base em níveis de organização e modo de nutrição. Assim, Whittaker realça os três possíveis modos de nutrição, fotossíntese (autotróficos), absorção (saprófitos) e ingestão (heterotróficos), em vez das relações filogenéticas. A classificação de Whittaker é, portanto, uma classificação ecológica e não filogenética. |
Classificação em dois domínios de Margulis (1988-1996) |
O
sistema de classificação de Lynn Margulis baseia-se no conhecimento sobre a
estrutura submicroscópica das células e seus organelos, bem como vias metabólicas,
incorporando a descoberta de muitos tipos altamente diferenciados de bactérias.
Apesar de o seu sistema também incorporar uma elaborada teoria de evolução
da estrutura celular por endossimbiose, difere apenas em alguns detalhes das
classificações de Copeland e de Whittaker. Na
classificação de Copeland, não se dava especial atenção à distinção
entre organismos com e sem núcleo, mas em classificações posteriores esta
tornou-se uma condição crucial. Margulis distingue os chamados super-reinos
ou domínios Prokarya e Eukarya,
sendo o ultimo caracterizado por apresentar genoma composto, sistemas de
mobilidade intracelular e a possibilidade de fusão celular, que leva a um
sistema de genética mendeliana e sexo. O domínio Prokarya, por outro lado,
é agrupado com base na ausência de um sistema sexual desse tipo. Dentro
dos Eukarya, ela distingue os mesmos grupos que Whittaker: protoctistas, plantas,
animais
e fungos. Neste caso, os protoctistas são
novamente definidos negativamente, o que volta a tornar as plantas, animais e
fungos monofiléticos. Nos
Prokarya, a diversidade de vias metabólicas e a reconhecida divergência
evolutiva (como demonstrada pelas sequências de RNA) não deu origem a
categorias elevadas. A
distinção entre Archaea e Eubacteria é abafada sob o nome de bactérias e
expressa a um nível inferior ao da distinção entre fungos, animais e
plantas. |
Classificação
em 4 subdomínios de Mayr (1990) |
Uma
classificação ligeiramente diferente foi proposta por Mayr (1990), que
concorda com Margulis em relação à distinção entre procariontes e
eucariontes, mas vai mais além e propõe que se reconheçam os subdomínios Archaea
e Bacteria, dentro dos procariontes. Uma
subdivisão semelhante é feita nos eucariontes, com os Protista
e os Metabionta, para organismos
unicelulares e multicelulares, respectivamente. Mayr dá especial atenção,
portanto, a semelhanças e diferenças em morfologia e não às relações
filogenéticas. Os
procariontes são unidos com base na semelhança de organização celular,
ignorando a diversidade de metabolismos e as relações evolutivas deduzidas a
partir de sequências de DNA. Também os protistas são unidos com base na
falta de multicelularidade, novamente ignorando a sua enorme diversidade em
muitos outros aspectos. Ambos os taxa estão em perigo de se tornar
parafiléticos. No entanto, a principal divergência entre esta classificação e uma classificação filogenética não é o surgimento destes dois grupos parafiléticos mas antes o facto de o subdomínio Metabionta ser reconhecido com base apenas numa característica, a multicelularidade. Esta característica surgiu independentemente nos três grupos que o compõem, tornando este subdomínio completamente polifilético. |
Classificação em três domínios de Woese (1990) |
Essencialmente
com base na comparação de sequências de RNA ribossómico, Woese e seus
colegas concluíram que os procariontes não eram um grupo coeso do ponto de
vista evolutivo, mas antes composto por dois subgrupos principais, cada um dos
quais difere entre si e dos eucariontes. Esta diversidade evolutiva
reflecte-se no genoma e, por sua vez, na bioquímica e na ecologia. Assim,
propuseram a substituição da divisão do mundo vivo em dois grandes domínios
(procariontes e eucariontes) por uma subdivisão em três domínios:
mantiveram os tradicionais eucariontes como o domínio Eucarya,
mas em vez dos tradicionais procariontes surgem os domínios Archaea
e Bacteria, ao mesmo nível que os Eucarya.
A sua classificação reflecte a ideia de que a árvore da Vida tem três e não
apenas dois ramos. No
entanto, esta classificação não reflecte completamente a sua visão sobre
qual dos três ramos é mais basal. Na filogenia em que baseiam a sua
classificação, o ramo mais basal é o que conduz ao domínio Bacteria, sendo
posterior a ramificação dos dois restantes grupos posterior, o que os torna
mais relacionados entre si do que cada um deles com as bactérias. Esta relação
próxima não se reflecte na classificação pois para esta filogenia ser
aparente, Archaea e Eukarya teriam que ser agrupados num único super-domínio.
A posição da raiz da árvore da Vida junto das bactérias não é, apesar de tudo, pacífica. Foram propostas raízes alternativas, que implicariam diferentes relações filogenéticas e diferentes classificações, mas deixando sempre intocada a parte dos eucariontes, pelo que a maioria das classificações coloca os procariontes num único grupo do mesmo nível que o dos eucariontes. Esta é uma simplificação deliberada, que ignora o facto de que, obrigatoriamente, um dos grupos de procariontes está mais próximo dos eucariontes do que qualquer outro. |
Classificação em seis reinos de Cavalier-Smith (1998) |
O
esquema de seis reinos recentemente proposto por Cavalier-Smith é, em muitos
aspectos, semelhante aos de Whittaker e Mayr, mas a semelhança é
frequentemente superficial. Cavalier-Smith tenta um sistema mais estritamente
filogenética, em que os grupos polifiléticos estão totalmente ausentes e os
parafiléticos são evitados o mais possível. Para
alcançar este fim, ele tem que transferir um número de grupos que pertenciam
aos Protoctista na maioria dos sistemas de classificação anteriores, para um
dos outros reinos. Assim, neste sistema, cada um dos reinos que contém
organismos multicelulares passa a conter um certo número de organismos
unicelulares relacionados. Estas revisões são baseadas num conjunto ainda
crescente de dados acerca das relações deduzidas da comparação de sequências
de DNA e proteínas, bem como acerca da ultra-estrutura celular. Nos
procariontes, Cavalier-Smith salienta o número características
ultra-estruturais em vez das sequências de RNA ribossómico usadas por Woese.
Assim, as Archaea são incluídas como um
subgrupo relativamente menor dentro do reino Bacteria.
Dentro dos eucariontes,
Cavalier-Smith reconhece cinco reinos. O
reino Animalia é relativamente
inalterado, quando comparado com outros sistemas de classificação. Para além
dos animais, também contém um grupo de parasites unicelulares, com base em
que a unicelularidade é devida a uma regressão e não a um caracter
original. De
forma semelhante, o reino Fungi também
contém um grupo de parasitas, antes parte dos protoctistas. Alguns grupos,
antes considerados fungos, foram transferidos para um novo reino designado Chromista.
O reino Plantae expandiu-se para incluir
as algas vermelhas, para além das tradicionalmente incluídas algas verdes.
Este facto reflecte um cenário evolucionista em que a fotossíntese foi
adquirida apenas uma vez, pela incorporação do cloroplasto num célula
eucariótica, derivado de uma cianobactéria. Outras classificações, que
colocam as plantas e as algas vermelhas mais afastadas, têm que assumir um
cenário evolutivo onde os cloroplastos foram adquiridos independentemente várias
vezes, ou totalmente perdidos ainda mais vezes. O
reino novo Chromista contém a maioria dos restantes grupos fotossintéticos,
informalmente designados algas, bem como um grupo de outros grupos anteriormente
colocados nos fungos e que se acredita terem perdido a capacidade fotossintética
secundariamente. No cenário evolutivo, o cloroplastos foi adquirido pela fusão
de uma célula autotrófica com uma célula não fotossintética, um
acontecimento que levou ao surgimento de uma membrana extra em volta do
organito. |
Temas relacionados: |
Reino Monera Reino Protista Reino Fungi Reino Plantae Reino Animalia |