Futuro sustentável - respeitar os limites da Terra

@ NatureApesar da Terra já ter passado por muitos períodos de alterações ambientais significativas, o ambiente do planeta tem estado invulgarmente estável nos últimos 10 mil anos.

Este período de estabilidade, conhecido pelos geólogos como Holoceno, assistiu à ascensão da civilização humana, o que pode estar agora a ameaçar essa estabilidade.

Desde a revolução industrial estamos a viver numa nova era, o Antropoceno, em que as acções humanas se tornaram o principal motor das alterações ambientais. A situação pode chegar a um ponto em que essas actividades humanas levem o sistema Terra a sair do estado de equilíbrio ambiental que tem vivido no Holoceno, com consequências negativas ou mesmo catastróficas para vastas zonas do globo.

Durante o Holoceno, as alterações ambientais ocorreram naturalmente e a capacidade reguladora da Terra manteve as condições que permitiram o desenvolvimento humano. Temperaturas constantes, disponibilidade de água potável e ciclos geoquímicos permaneceram dentro de intervalos estreitos mas agora, essencialmente devido a uma dependência em rápido crescimento de combustíveis fósseis e formas industrializadas de agricultura, as actividades humanas atingiram um nível que pode danificar os sistemas que mantêm a Terra no equilíbrio do Holoceno.

O resultado podem ser alterações ambientais irreversíveis e, em alguns casos, abruptas, conduzindo a um estado menos apropriado ao desenvolvimento humano. Sem a pressão humana, o Holoceno deveria continuar pelo menos mais alguns milhares de anos.

Para responder ao desafio da manutenção do estado do Holoceno, Johan Rockström e os seus colegas propõem os 'limites do planeta', que definem o espaço seguro de operação para a humanidade, respeitando o sistema Terra. Os limites baseiam-se nos subsistemas da Terra, que frequentemente reagem de forma não linear e abrupta, sendo particularmente sensíveis em redor de pontos de viragem de certas variáveis chave. Se esses pontos de viragem são ultrapassados subsistemas importantes, como as monções, podem passar a um novo estado, com consequências negativas e potencialmente desastrosas para o Homem.

A maioria destes patamares pode ser definido por um valor crítico para uma ou mais variáveis de controlo, como a concentração de dióxido de carbono. Tentou-se identificar processos e patamares associados dos sistemas da Terra que, se ultrapassados, gerassem alterações ambientais inaceitáveis. Descobriram-se nove processos necessários para definir os limites do planeta: alterações climáticas, taxa de perda de biodiversidade (terrestre e marinha), interferências nos ciclos do azoto e do fósforo, degradação do ozono estratosférico, acidificação dos oceanos, utilização da água doce global, alterações na utilização da terra, poluição química e carga de aerossóis atmosféricos.

O Homem pode estar a aproximar-se dos limites da utilização global de água doce, alterações do uso da terra, acidificação dos oceanos e interferência no ciclo global do fósforo. A análise actual sugere que três processos dos sistemas terrestres (alterações climáticas, taxa de perda de biodiversidade e interferência no ciclo global do azoto) já ultrapassaram esses limites. Nos dois últimos, as variáveis de controlo são a taxa de perda de espécies e a taxa a que o N2 é removido da atmosfera e convertido em azoto reactivo para utilização humana, respectivamente. 

As alterações climáticas antropogénicas estão agora para além de qualquer dúvida e, na corrida para as negociações de Copenhaga em Dezembro, as discussões estão a convergir para a abordagem que contenha a subida das temperaturas médias globais no máximo de 2°C acima dos níveis pré-industriais.

O limite climático proposto neste estudo baseiam-se em dois patamares críticos que separam estados climáticos diferentes e tem dois parâmetros: concentração de dióxido de carbono atmosférico e forçagem radiativa. Considera-se que as alterações antropogénicas na concentração atmosférica de CO2 não ultrapasse as 350 partes por milhão e que a forçagem radiativa não exceda 1 watt por metro quadrado acima dos níveis pré-industriais e ultrapassá-los aumenta o risco de alterações climáticas irreversíveis. Actualmente, a concentração de CO2 é de 387 p.p.m. e a alteração na forçagem radiativa é de 1,5 W m-2.

A maioria dos modelos climáticos actuais pode estar a subestimar significativamente a severidade das alterações climáticas a longo prazo para uma dada concentração de gases de efeito de estufa: a maioria dos modelos sugere que a duplicação da concentração de CO2 atmosférico levará a subidas na temperatura global de cerca de 3 °C mas estes modelos não incluem processos de feedback positivo que aceleram o aquecimento, como a perda de gelo marinho ou de coberto vegetal. Se estes feedbacks lentos forem incluídos, a subida pode atingir os 6 °C, ameaçando os sistemas ecológicos de suporte de vida que evoluíram no final do Quaternário.

Dados paleoclimáticos dos últimos 100 milhões de anos mostram que as concentrações de CO2 foram um factor importante no arrefecimento dos últimos 50 milhões de anos. O planeta permaneceu livre de gelo até que essas concentrações caíram abaixo das 450 p.p.m., sugerindo a existência de um patamar crítico entre as 350 e as 550 p.p.m.

A extinção de espécies é um processo natural mas a perda no Antropoceno acelerou de forma explosiva, equivalente a uma extinção em massa à escala global. Actualmente, a taxa de extinção está estimada em 100 a mil vezes superior à natural, sendo devida à actividade humana, especialmente com as alterações na utilização da terra.

Essas alterações incluem a conversão de ecossistemas naturais em zonas agrícolas ou urbanas, alterações da frequência e duração de fogos florestais e introdução de novas espécies. As alterações climáticas vão passar, este século, a ser um motor importante de alterações de biodiversidade e da sua perda. Até 30% dos mamíferos, aves e anfíbios estarão ameaçados de extinção neste século.

A perda de biodiversidade ocorre a nível local e regional, interagindo com outros limites. Por exemplo, a perda de biodiversidade pode aumentar a vulnerabilidade dos ecossistemas a alterações climáticas e de acidez dos oceanos, reduzindo assim os níveis seguros de limites desses processos. A aparente redundância é necessária à capacidade de adaptação dos ecossistemas pois quando estes dependem de poucas espécies para funções críticas são vulneráveis a perturbações.

Apesar desse conhecimento estar estabelecido, pouco se sabe acerca de que quantidade e que tipo de biodiversidade pode perdido antes de a capacidade do ecossistema ser perdida. Assim, este estudo propõe a taxa de extinção como um indicador alternativo (e fraco). O limite planetário sugerido será de dez vezes a taxa de extinção natural, ainda que seja necessária mais investigação para obter mais certezas.

A agricultura moderna é a principal causa de poluição ambiental, incluindo alterações em larga escala nos ciclos do azoto e fósforo. À escala planetária, as quantidades adicionais de azoto e fósforo activados pelo Homem são agora tão grandes que perturbam significativamente os ciclos globais destes dois importantes elementos.

Os processos humanos, principalmente a manufactura de fertilizantes para a produção de alimentos e o cultivo de leguminosas, convertem 120 milhões de toneladas de N2 atmosférico por ano em formas reactivas, mais do que o efeito combinado de todos os processos terrestres da Terra. Muito deste novo azoto reactivo acaba no ambiente, poluindo os cursos de água e a costa, acumulando-se nos sistemas terrestres e acrescentando gases à atmosfera. O óxido nitroso, por exemplo, é um dos gases de efeito de estufa mais importantes, afectando directamente a forçagem radiativa.

A distorção antropogénica dos ciclos do azoto e do fósforo levaram os lagos a passarem de límpidos a turvos, bem como os ecossistemas marinhos, como no exemplo dos períodos de anóxia no Mar Báltico devido ao excesso de nutrientes. Estes e outros impactos gerados pelos nutrientes justificam a criação de um limite associado aos fluxos de azoto e fósforo, que devem ser mantidos juntos devido às interacções próximas que ambos têm com outros sistemas terrestres.

O limite foi identificado considerando a fixação humana de N2 atmosférico como uma válvula gigante que controla um enorme fluxo de novo azoto reactivo para a Terra. Sugere-se que esta válvula deve conter o fluxo de novo azoto reactivo a 25% do seu valor actual, ou seja, cerca de 35 milhões de toneladas por ano. 

Ao contrário do azoto, o fósforo é um mineral fóssil que se acumula em resultado de processos geológicos. É retirado das rochas e usado em larga escala em produtos desde fertilizantes a pasta de dentes. Cerca de 20 milhões de toneladas de fósforo são retiradas todos os anos e cerca de 9,5 milhões de toneladas acabam nos oceanos, ou seja, cerca de oito vezes a taxa natural de influxo.

Registos históricos da Terra mostram que eventos anóxicos em larga escala acontecem quando patamares críticos de influxo de fósforo são ultrapassados, potencialmente explicando extinções em massa de vida marinha. O modelo usado sugere se houver um aumento superior a dez vezes do fluxo de fósforo para os oceanos (comparado com níveis pré-industriais), os eventos anóxicos vão aumentar nos próximos mil anos. Não se deve permitir que mais de 11 milhões de toneladas de fósforo cheguem aos oceanos, o que corresponde a dez vezes a taxa natural. 

Apesar dos limites planetários serem descritos isoladamente, estão intimamente associados. Não nos podemos dar ao luxo de concentrar esforços apenas num deles, pois se um for ultrapassado, outros ficam em sério risco. Por exemplo, alterações significativas na utilização da terra no Amazonas vão influenciar os recursos hídricos em zonas tão longínquas como o Tibete e ultrapassar o limite azoto-fósforo pode erodir a resistência dos ecossistemas marinhos, reduzindo a sua capacidade de absorver CO2 e, por isso, afectando o limite climático.

Os limites aqui propostos representam uma nova abordagem na definição de pré-condições biofísicas para o desenvolvimento humano. Tenta-se, pela primeira vez, quantificar os limites seguros, para além dos quais os sistema Terra não pode continuar a funcionar de forma estável. 

Apesar das evidências de que três limites foram ultrapassados, há muitas lacunas no nosso conhecimento. Alguns números são estimativas e como muitos dos limites estão interligados, ultrapassar um terá implicações nos restantes de formas que ainda não compreendemos. Também há incertezas sobre quanto tempo será necessário para desencadear as alterações ambientais perigosas, que reduzam a capacidade dos sistemas terrestres de recuperar o equilíbrio. 

Adaptado de Johan Rockström et al in Nature 461, 472-475 (24 Setembro 2009)

simbiotica.org

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