Genética de populações

O processo evolutivo é actualmente interpretado em termos de genética de populações. As populações são a unidade evolutiva, considerando que existe evolução sempre que a frequência de genes na dita população se altere significativamente.

No entanto, do ponto de vista ecológico, uma população corresponde apenas a um conjunto de indivíduos que ocupa uma dada área geográfica num dado momento. Este tipo de definição facilmente se deduz que não pode servir como unidade evolutiva pois não implica que os seres se reproduzam, condição fundamental para a mudança genética.

Por esse motivo, à unidade evolutiva convencionou-se chamar população mendeliana, ou seja, uma comunidade de indivíduos entrecruzáveis, que compartilham determinado fundo genético. É formada, portanto, por indivíduos relacionados por acasalamento, descendência ou ascendência.

Os genes que constituem o fundo genético – conjunto de todos os genes presentes numa população num dado momento - são transmitidos de geração em geração, ao acaso e em novas combinações de alelos.  Conclui-se facilmente que é do fundo genético dos progenitores que deriva, ao acaso, o fundo genético dos descendentes. Quanto maior o número de genes que constituem o fundo genético da população, maior a probabilidade de existir variação na geração seguinte.

A determinação das frequências génicas de uma população em gerações sucessivas indica se existe, ou não, manutenção do fundo genético, se estão a actuar factores de evolução.                                                                                                                                 TOPO

Lei de Hardy-Weinberg

Considere-se, numa população mendeliana, um fundo genético constituído por dois alelos A e a:

Freq A = nº alelos A/nº total alelos                                                      

Freq a = nº alelos a/nº total alelos      ou seja,    frequências génicas

  

Freq AA = nº indivíduos AA/nº total indivíduos                                                    

Freq Aa = nº indivíduos Aa/nº total indivíduos     ou seja,        frequências genotípicas

Freq aa = nº indivíduos aa/nº total indivíduos                                                    

 

Se   freq A = p   e   freq a = q ,  então   p + q = 1

Passando a frequências genotípicas, ter-se-ia  (p +q)2 = 1

Desenvolvendo:   p.p + 2p.q + q.q = 1      ou seja

  

P2 + 2pq + q2 = 1         Lei de Hardy-Weinberg

               

A lei de Hardy-Weinberg refere-se a populações mendelianas em equilíbrio, ou seja, populações infinitamente grandes, em que os cruzamentos ocorrem ao acaso (panmixia), não existindo factores de evolução. 

Nestas condições, a lei de Hardy-Weinberg diz que a frequência de cada alelo tende a manter-se constante em cada geração. No entanto, tal não se verifica na realidade !  

As populações evoluem ao longo das gerações, o que nos leva à conclusão óbvia: a lei de Hardy-Weinberg não se aplica a situações reais, pois existem sempre factores de evolução a actuar sobre a população. Os genes não se dividem na meiose sempre com exactidão (mutação), os genótipos não são transmitidos a taxas uniformes (selecção), as populações não são infinitamente grandes e os cruzamentos não são ao acaso (deriva genética) e as populações não estão isoladas (migração).

Todos estes factores tendem a alterar o equilíbrio das populações, alterando as frequências génicas, logo designam-se por factores de evolução.                                                                                                                                                                                           TOPO

Factores de evolução

Da enorme diversidade de factores que podem alterar a composição genética das populações, apenas cinco deles são considerados capazes de causar desvios significativos, nomeadamente os seguintes:
Mutação

Existem três tipos principais de mutação:

  • mutações génicas são as alterações de alguns pares de bases na molécula de DNA;

  • mutações estruturais são alterações de número ou arranjo de genes no cromossoma (delecções, duplicações, inversões ou translocações);

  • mutações numéricas são a alteração do número de cromossomas, sejam elas monossomias (2n-1), polissomias (2n+1) ou nulissomias (2n-2). As monossomias e as nulissomias são mortais, enquanto as polissomias provocam graves deficiências, físicas e mentais. São disso exemplo os casos de trissomia 13, 18 ou 21, os Síndromas de Turner (XO), Klinfelter (XXY) e da supermasculinidade (XYY).

O efeito destas mutações nas frequências génicas depende da adaptabilidade que os portadores delas apresentem, tanto para a sobrevivência como para a reprodução, no meio ambiente da espécie. 

Se a mutação for neutra pode persistir durante muitas gerações.

Pode considerar-se que a variabilidade genética (vários alelos para um gene, por exemplo) é consequência da acumulação de mutações pois estas são a única fonte de variabilidade conhecida do fundo genético, os outros factores de evolução apenas rearranjam a variabilidade, não criam nada de novo.

Apesar de tudo a mutação não consegue alterar o sentido da evolução pois ocorre com taxas da ordem de 3x10-6 em mutações espontâneas, apenas cria variabilidade. 

A evolução resulta da acção sobre a população e, logo, sobre os indivíduos portadores de mutações, de outros factores de evolução mais poderosos, como a selecção natural.

A acção sobre genes mutados prejudiciais varia com a dominância e a recessividade. Os genes recessivos, prejudiciais ou qualquer outro, só são activos no estado homozigótico, enquanto os dominantes também actuam no estado heterozigótico. Assim, com taxas de mutação semelhantes, os genes recessivos prejudiciais são mantidos em maior quantidade no fundo genético da população que os dominantes, desde que os heterozigóticos portadores desses genes não manifestem qualquer inferioridade em relação aos homozigóticos normais. 

Considera-se que a variabilidade genética tem na superioridade dos heterozigóticos, ou vigor do híbrido, o mais importante factor para a sua permanência nas populações. 

Nesta situação, os heterozigóticos estão melhor adaptados ao meio que os homozigóticos, o que permite conservar na população de alelos prejudiciais no estado homozigótico (anemia das células falciformes, por exemplo, em homozigotia causa uma mortalidade de 80% antes do estado adulto. Os anémicos heterozigóticos são uma resposta da população á pressão selectiva exercida pelos parasitas da malária). Nestes casos, o alelo prejudicial não é recessivo mas sim codominante.                                                                                                TOPO

Migração

Geralmente as populações são isoladas mas podem ocorrer entre elas migrações – movimento de indivíduos em idade reprodutora de uma população para outra, implicando fluxo de genes. Estes movimentos podem ser de entrada – imigração – ou de saída – emigração. 

Se os migrantes sobreviverem e se reproduzirem, contribuirão com os seus genes para o fundo genético da população receptora.

Por vezes a taxa migratória é muito baixa, funcionando como uma mutação, pouco afectando a frequência genética, mas se for suficientemente alta pode fornecer variabilidade e funcionar como um factor primário de evolução, a par da selecção natural. 

Obviamente, a migração apenas afecta o fundo genético de uma população do ponto de vista evolutivo se a população migrante for diferente da população receptora e/ou se introduzir um alelo “especialmente apetecido”.                                                                                       TOPO

Cruzamentos não ao acaso

Nas populações naturais os cruzamentos podem ser ao acaso – panmixia – situação em que a frequência dos alelos numa população se mantém inalterada. No entanto, tal geralmente tal não acontece, pois manutenção do fundo genético implicaria ausência de evolução.

Numa população típica, apenas alguns indivíduos se reproduzem, geralmente os machos mais vistosos, por exemplo.

Os organismos seleccionam os seus parceiros, privilegiando os seus semelhantes e próximos, aumentando a homozigotia e fazendo surgir anomalias genéticas. Esse facto leva a que, na população humana, os casamentos entre membros da mesma família sejam considerados incestuosos e geralmente legalmente proibidos.

Um caso extremo desta situação é a autopolinização em plantas.                                                                                                         TOPO

Deriva Genética

A deriva genética corresponde à variação do fundo genético, ao acaso, de geração em geração.

Geralmente esta situação ocorre em populações cujo efectivo reprodutor é inferior a 100 indivíduos (a população pode ser grande mas se apenas um pequeno número se reproduzir, obtém-se o mesmo fenómeno).

Este problema pode resultar da separação de populações maiores devido a barreiras geográficas, climáticas (durante certas épocas do ano as populações podem ser numerosas devido às boas condições, sendo mais ou menos dizimadas na mudança de estação) ou outras. 

Deste modo, é fácil prever que cada uma dessas pequenas populações não contêm uma amostra total do fundo genético da população original. Estes desvios podem levar ao desaparecimento de certos alelos e fixação de outros, completamente por acaso, independentemente do seu valor adaptativo. 

Esta redução de variabilidade pela eliminação de alelos em populações pequenas reduz a capacidade de adaptação a alterações ambientais, o que pode levar ao declínio da espécie, por fixação de alelos menos favoráveis. 

Este problema existe actualmente com bisontes, chitas, elefantes marinhos e outros organismos ameaçados, em que apenas um reduzido número, geralmente em jardins zoológicos, se reproduz.

Um caso extremo da deriva genética é o efeito fundador em que um muito reduzido número de indivíduos (ou mesmo apenas uma fêmea grávida) se desloca para outro habitat, transportando apenas parte do património genético da população original. Esta situação é frequente na colonização de ilhas, a partir do continente. 

Estudos em populações humanas revelaram o efeito fundador resultante da migração de um pequeno grupo religioso da Alemanha para os Estados Unidos, onde se mantiveram isolados da restante população.                                                                                                   TOPO

Selecção natural

A selecção natural pode ser definida como uma diferença na viabilidade e fertilidade dos indivíduos. 

Muitas das mutações referidas antes são desfavoráveis ou mesmo letais mas a sua acumulação é contrariada pela selecção pois o mutante com características desfavoráveis será eliminado.

A teoria de Darwin considera que só parte da descendência sobrevive e se reproduz (viabilidade diferencial) e diferentes casais produzem diferente número de descendentes viáveis (fertilidade diferencial). Deste modo, os portadores de características com maior capacidade adaptativa são a maioria dos sobreviventes e, nas gerações seguintes, tenderão a aumentar.

Relembrando a distribuição normal das características numa população, sendo o ponto mais elevado da curva (valor médio para a característica) designado por ponto de ajuste ou de aferição (valor ideal para esse meio, nesse momento), existem três tipos de selecção natural:

  • estabilizadora – mantém a homogeneidade da população, pois os fenótipos extremos são eliminados. Esta situação revela uma população bem adaptada ao meio, meio esse que se mantém mais ou menos estável.

Estudos revelaram a acção deste tipo de selecção na espécie humana, revelando que bebés de tamanho médio têm maior probabilidade de sobrevivência que os muito grandes ou muito pequenos. Outra situação conhecida é o efeito de tempestades sobre aves, onde são preferencialmente mortos os indivíduos com asas muito grandes ou muito pequenas;

  • direccional – situação mais vulgar, em que existe uma tendência para deslocar o ponto de ajuste, favorecendo um dos fenótipos extremos. Esta situação revela alterações ambientais, sendo seleccionados os organismos melhor adaptados a esse novo meio. Exemplos conhecidos desta situação são a resistência a antibióticos por parte de microrganismos ou a insecticidas, bem como o sempre actual caso das borboletas Biston betularia;

  • disruptiva – a acção da selecção ocorre eliminando o fenótipo intermédio, o mais vulgar, favorecendo as características extremas, fora do ponto de ajuste. Pode dar origem a um polimorfismo equilibrado (dois ou mais fenótipos na população) ou, em casos extremos, a duas espécies diferentes.

Exemplos deste tipo de acção sobre as populações podem ser observados em plantas que crescem perto de minas, onde a contaminação bem demarcada de certas áreas leva ao desenvolvimento de dois tipos de plantas (uma consegue viver em áreas contaminadas mas é pequena, enquanto a grande não o pode fazer).

Um outro caso, em aves, deriva do facto de em certos locais a única fonte de alimentação possível serem sementes ou larvas de insectos, o que leva a que sejam seleccionados pássaros com bicos maiores e mais fortes (para partir sementes) e pássaros com bicos finos e delicados (adequados á busca de larvas nos orifícios nos troncos das árvores). Uma ave com um bico intermédio teria dificuldades em obter alimento.

Tal como já foi referido anteriormente, as selecções direccional e disruptiva são consideradas evolutivas.

Desta análise dos factores de evolução pode-se concluir que a selecção natural e a migração são factores importantes no controlo da microevolução (alterações simples na frequência génica em populações locais). 

A selecção, por si só, é o agente condutor de alterações progressivas de maiores dimensões (aparição de novos grupos taxonómicos – macroevolução). Tais alterações são o resultado de centenas ou milhares de microevoluções, unidas e ampliadas pela pressão selectiva do ambiente.                                                                                                                                                                                          TOPO

Temas relacionados:

Teorias sobre a evolução   Argumentos a favor da evolução   Evolução do Homem   Especiação   Hereditariedade

simbiotica.org

Bookmark and Share