Sistema excretor

Como já se viu, as formas de vida mais simples realizam as suas trocas directamente com o meio, enquanto os seres mais complexos utilizam o sangue e outros fluidos como intermediários.  

A manutenção da composição dos fluidos internos dentro de limites adequados á vida das células designa-se homeostasia e é uma condição fundamental à vida. 

De entre os numerosos mecanismos envolvidos nessa manutenção da homeostasia destacam-se:

  • Osmorregulação – mecanismos pelos quais são controladas as concentrações de sais e água, ou seja, os valores de pressão osmótica dos fluidos corporais;

  • Excreção – mecanismo pelo qual os organismos se libertam dos resíduos do metabolismo, a maioria tóxicos e designados excreções.

A maioria dos animais apresentam sistemas excretores eficientes, que contribuem também para a manutenção da composição do meio interno, ajustando a quantidade de sais e outras substâncias.

No metabolismo celular são produzidas excreções, que devem se eliminadas. Algumas, como o CO2 são libertadas pelas superfícies respiratórias, mas os resíduos azotados devem ser retirados pelos sistemas excretores. A estes cabe igualmente a tarefa de gestão do conteúdo hídrico do corpo.

Nos seres unicelulares ou multicelulares simples os resíduos azotados são libertados para o meio por difusão através da superfície do corpo. Nos animais complexos a reduzida razão área/volume impede essa solução, surgindo sistemas especializados nessa função.  

Todos os sistemas excretores realizam três processos fundamentais:

  • Filtração – filtração selectiva dos fluidos corporais através de membranas, condicionada ao tamanho das moléculas, pelo que moléculas úteis podem ser igualmente filtradas;

  • Reabsorção – regresso ao meio interno, nas quantidades adequadas, de substâncias anteriormente filtradas mas úteis ao organismo;

  • Secreção – secreção activa de substâncias dos fluidos corporais para zonas do sistema já consideradas meio externo.

Pode-se, portanto, concluir que os produtos excretados incluem moléculas tóxicas e moléculas em excesso no organismo.

Os produtos azotados podem ser eliminados sob diversas formas, dependendo do animal e do meio em que vive:

  • Amónia – do metabolismo dos aminoácidos resulta amoníaco (NH3), que ao reagir com a água origina o ião amónia (NH4+). Este ião é muito solúvel na água, pelo que a sua excreção implica perda significativa de água pelo organismo. Assim, esta excreção é típica de animais aquáticos, onde a perda de água não constitui problema;

  • Ácido úrico – em animais terrestres a perda de água é perigosa mas a amónia é demasiado tóxica para ser armazenada. Deste modo, répteis, aves e insectos transformam-na no fígado (com gasto de energia) em ácido úrico, menos tóxico e insolúvel (pelo que não tem implicações osmóticas). Este será removido do sangue pelos rins e excretado juntamente com as fezes, numa forma quase seca;

  • Ureia – também formada no fígado (com gasto de energia) a partir da amónia, é o modo encontrado pelos mamíferos, peixes cartilagíneos e anfíbios para reduzir a toxicidade e a solubilidade dos resíduos azotados. Também acaba por ser retirada dos fluidos pelos rins e excretada sob a forma de urina.

TOPO

Estudo comparativo do sistema excretor 

Dada a importância deste tipo de sistema, mesmo os animais invertebrados os apresentam, embora sejam geralmente tubulares e simples.

Dada a sua reduzida espessura, os cnidários não apresentam sistema excretor, a remoção de amónia é feita por difusão directa.

Os platelmintes possuem sistema excretor sob a forma de nefrídeos (tubos simples abertos para o exterior por poros excretores). Dada a simplicidade destes tubos são igualmente designados protonefrídeos e geralmente distribuem-se por todo o corpo, embora nalgumas espécies possam existir apenas um ou dois pares. 

Cada túbulo termina em fundo de saco alargado com uma célula-flama terminal especializada em recolher dos fluidos corporais os resíduos, geralmente sob a forma de amónia. A designação de célula-flama deriva da presença de um ou mais cílios, cujo batimento permanente faz lembrar uma chama e cria um ligeiro vácuo na extremidade fechada do protonefídeo. As moléculas de pequenas dimensões dos fluidos corporais atravessam as membranas permeáveis da extremidade do tubo, sendo as maiores retidas.

Estes resíduos são, depois, empurrados pelos tubos para o exterior pelo batimento dos cílios, saindo pelo nefridióporo na parede do corpo do animal. No entanto, ainda parte dos resíduos são lançados para a cavidade gastrovascular.

Como existe um sistema circulatório fechado, nos anelídeos há uma associação íntima entre este sistema e o excretor, neste caso formado por metanefrídeos. 

Estes órgãos especializados na excreção são formados por um tubo aberto nas duas extremidades e mais ou menos enrolado, dependendo do ambiente em que o animal vive (quanto mais seco mais longo e enrolado para reabsorver o máximo de água). A extremidade mais interna abre na cavidade celómica através de um funil ciliado – nefróstoma – e a extremidade externa abre na parede do corpo por um poro excretor ou nefridióporo. 

Cada segmento contém um par de metanefrídeos que recolhem resíduos do segmento anterior, envolvidos por capilares que reabsorvem as substâncias úteis. As excreções, principalmente amónia, são armazenadas temporariamente numa zona do tubo designada bexiga, que é esvaziada regularmente. A urina é diluída, compensando a entrada de água por osmose pela pele fina (no caso dos anelídeos clitelados, como as minhocas).

Nos insectos e outros artrópodes terrestres com sistema circulatório aberto, a excreção é feita por túbulos de Malpighi. Estas estruturas localizam-se na parte posterior do corpo, ligadas ao tubo digestivo na zona de transição entre o intestino médio e posterior, podendo existir apenas um par ou algumas centenas. 

A extremidade livre do tubo é fechada e está mergulhada no hemocélio, ocorrendo a filtração através da sua parede. As células da parede do tubo transportam activamente ácido úrico, iões potássio e sódio, entre outros, da hemolinfa para o seu interior. Devido ao aumento de pressão osmótica dentro do tubo, a água é também recolhida.

O filtrado é, depois, conduzido ao recto com a ajuda das paredes musculosas dos tubos, onde são reabsorvidos parte dos sais e, novamente devido ao gradiente osmótico criado, a água. O ácido úrico restante precipita devido à diferença de pH que ocorre ao longo do tubo (é cada vez mais básico, à medida que se aproxima do recto), sendo eliminado com as fezes, numa pasta semi-seca, muito eficiente do ponto de vista de regulação hídrica em meio seco.

Apesar da variedade de animais incluídos nos vertebrados, bem como a variedade de meios em que vivem, o sistema excretor é semelhante e composto por rins.  Estes são órgãos compactos, cuja unidade funcional é o nefrónio, tubos excretores associados a capilares sanguíneos.

Os nefrónios revelam um gradual aumento de complexidade ao longo da evolução do grupo, desde os peixes aos mamíferos. Essa evolução pode ser seguida ao longo do desenvolvimento embrionário:

  • Pronefro – também designado o primeiro rim, tem uma posição anterior e segmentada. É formado por vários tubos abertos por um nefróstoma para a cavidade celómica, onde se localizam igualmente os capilares do glomérulo. Esta estrutura apenas é funcional nos ciclóstomos;

  • Mesonefro – também designado segundo rim, tem uma posição torácica e segmentada. Neste caso o glomérulo perde a ligação ao celoma, ficando encapsulado numa porção do tubo renal – cápsula de Bowman. Em alguns casos ainda persistem ramificações do tubo renal em contacto com o celoma por um nefróstoma. Este tipo de rim é funcional em ciclóstomos, peixes e anfíbios;

  • Metanefro – o terceiro rim ou rim definitivo, tem uma localização posterior, junto ás vértebras lombares, perde a estrutura segmentar presente até aqui. Formado por muitos nefrónios, nos quais desaparece o nefróstoma, dando-se a filtração apenas do glomérulo para a cápsula de Bowman. Este rim mais evoluído é funcional em répteis, aves e mamíferos. 

Novamente apenas por uma questão de facilidade ir-se-á estudar o rim humano em mais detalhe, recordando que este representa a estrutura excretora dos vertebrados terrestre.  

Estrutura do rim humano

O nefrónio é a unidade estrutural e funcional do rim dos mamíferos, sendo composto por um tubo mais ou menos enrolado, de paredes metabolicamente activas e cheias de microvilosidades – tubo urinífero -, associado a numerosos vasos sanguíneos, entre eles duas redes capilares – glomérulo de Malpighi e rede peritubular. 

O tubo propriamente dito é formado pela cápsula de Bowman, tubos contornados proximal e distal, separados pela ansa de Henle.

Vários tubos uriníferos desaguam num tubo colector, que abrirá no bacinete, uma zona central do rim, donde partem os ureteres em direcção á bexiga. Esta abre para o exterior através da uretra.

Na parte vascular do nefrónio o sangue, vindo da artéria renal, entra na cápsula de Bowman pela arteríola aferente, que se capilariza formando o glomérulo de Malpighi no interior da cápsula. Estes capilares reúnem-se na arteríola eferente, que se irá novamente capilarizar em volta dos tubos contornados e da ansa de Henle, formando a rede peritubular. Estes capilares formam vénulas que irão terminar na veia renal.

A arteríola eferente apresenta um diâmetro menor que a aferente, aumentando a pressão no interior do glomérulo e forçando uma filtração abundante. Por este motivo, o sangue flui passivamente e com baixa pressão para a rede peritubular, facilitando os fenómenos de reabsorção e secreção.

Estrutura do nefrónio e vasos sanguíneos acessórios

No tubo urinífero podem distinguir-se as seguintes zonas, onde ocorrem diversos fenómenos:

Formação da urina no rim de um mamífero
  • Cápsula de Bowman – zona inicial em fundo de saco e em forma de taça, que se localiza na região cortical do rim. Aqui ocorre a filtração, através do endotélio do capilar do glomérulo e da parede da cápsula, que impedem a passagem de células e macromoléculas. O resultado é o filtrado glomerular, uma mistura de água, sais minerais, ureia, glicose, AA, vitaminas, etc., tudo em concentrações iguais às que tinham no plasma;  

  • Tubo contornado proximal – imediatamente a seguir á cápsula de Bowman, é uma porção do tubo bastante enrolada e ainda localizada no córtex renal. As suas paredes realizam transporte activo de sais e nutrientes (glicose, AA, Na+, Cl -, etc.) para o meio interno, o que causa a reabsorção de água por osmose pois a pressão osmótica no tubo baixa;  

  • Ansa de Henle – porção do tubo em forma de U, subdividida em zona descendente e ascendente, que mergulha na medula do rim. A porção descendente da ansa é permeável á água (que passa para os capilares peritubulares) mas pouco permeável aos sais e á ureia, pelo que há uma concentração da urina. O inverso ocorre na porção ascendente, onde o tubo é impermeável á água mas permeável aos sais, que saem por difusão e transporte activo, aumentando a pressão osmótica dos fluidos intersticiais da medula renal;  

  • Tubo contornado distal – zona terminal do tubo urinífero, novamente bastante enrolada e de volta ao córtex renal. Aqui ocorrem importantes fenómenos de secreção, com transporte activo sobretudo de K+ e H+, o que mantém o pH sanguíneo adequado. Outras substâncias, como venenos e drogas, podem ser secretadas para a urina a este nível;  

  • Tubo colector – embora não fazendo parte do tubo urinífero, está aqui considerado devido a ainda ser um importante interveniente na formação da urina. Este tubo é muito permeável á agua, impermeável aos iões e atravessa a medula (zona muito hipertónica do rim) dá-se a reabsorção de grandes quantidades de água ainda presente na urina, tornando-a muito concentrada.

A urina produzida no final destes processos apenas conterá 1% da água inicialmente filtrada, uma pequena parte dos sais e nenhum nutriente.TOPO

Osmorregulação em Vertebrados

No meio aquático existe grande variação na concentração de solutos. Deste modo, vertebrados que vivem em água doce enfrentam problemas muito diferentes dos que vivem em água salgada, em relação á manutenção da pressão osmótica.

Para realizar essa adaptação, surgiram variações na estrutura básica do nefrónio, tal como foi estudada, entre outras adaptações específicas.Osmorregulação em água doce (peixes ósseos e anfíbios)

No caso do ambiente de água doce, os fluidos corporais são hipertónicos em relação ao meio, o que desloca a água, por osmose, para o interior do corpo, apesar da presença de mucos, escamas, etc. 

Assim, estes animais não bebem água, possuem glomérulos muito desenvolvidos e eliminam grande quantidade de urina muito diluída (hipotónica). 

No entanto, este facto acarreta a perda de sais, pelo que nos peixes ósseos existem células especializadas nas brânquias, que transportam activamente sais para o corpo.

Osmorregulação em água salgada (peixes ósseos)

Em meio aquático salgado coloca-se o problema inverso, ou seja, os fluidos corporais são hipotónicos em relação ao meio, tendendo o animal para a perda de água por osmose. 

Os glomérulos são muito reduzidos ou mesmo ausentes, formando pouca quantidade de urina isotónica com o meio (hipertónica em relação á dos peixes de água doce).

Como compensação, estes animais engolem grande quantidade de água mas como esta é salgada excretam activamente grandes quantidades de sal, por células especializadas nas brânquias. Aves e répteis marinhos apresentam glândulas do sal que abrem no bico e que secretam activamente sais.

Na maioria dos vertebrados terrestres os rins actuam juntamente com a pele, pulmões e sistema digestivo para realizar a osmorregulação:  

  • Anfíbios - apresentam mecanismos osmorreguladores muito semelhantes aos dos peixes de água doce, produzindo urina hipotónica e reabsorvendo sais activamente através da pele;Osmorregulação em meio terrestre (répteis)

  • Répteis – reabsorvem grandes quantidades de água e sais nos nefrónios mas a urina é isotónica com o plasma;

  • Aves/mamíferos -  a reabsorção de água é tão grande que se produz urina hipertónica em relação ao plasma (por vezes mais de 8 vezes mais concentrada). 

Este facto resulta do nefrónio destes animais apresentar ansas de Henle muito longas e que penetram fundo na medula, onde o meio intersticial tem elevada pressão osmótica, atraindo grande quantidade de água para fora do tubo. Nas aves a ansa de Henle é mais curta mas a cloaca reabsorve, ainda, alguma água. Alguns mamíferos não bebem água, utilizando apenas a água metabólica e a dos alimentos.

TOPO

Quadro resumo da excreção e osmorregulação em alguns filos

Animal

Habitat

Produto de excreção

Concentração sanguínea em relação ao meio

Concentração das excreções em relação ao sangue

Órgãos excretores

Osmorregulação

Platelmintes

Água doce

Amoníaco

-

Hipotónica

Protonefrídeos com células flama

Não bebem água

Anelídeos

Água doce ou terrestre

Amoníaco

Hipertónica

Hipotónica

Metanefrídeos

Não bebem água

Insectos

Terrestre

Ácido úrico

-

Hipertónica

Túbulos de Malpighi

Bebem água

Peixes cartilagíneos

Água salgada

Ureia

Isotónica

Isotónica

Rins mesonefros

Não bebem água, ureia ajuda a reter água

Peixes ósseos

Água salgada

Amoníaco

Hipotónica

Isotónica

Rins mesonefros e brânquias

Bebem água e excretam sal

Água doce

Amoníaco

Hipertónica

Hipotónica

Rins mesonefros

Não bebem água e absorvem sal

Anfíbios

Água doce terrestre

Amoníaco ou ureia

Hipertónica

Hipotónica

Rins mesonefros e pele

Não bebem água e absorvem sal

Répteis e Aves

Água salgada

Ureia e ácido úrico

Hipotónica

Hipertónica

Rins metanefros

Bebem água e excretam sal

Terrestre

Ácido úrico

-

Hipertónica

Rins metanefros

Bebem água

Mamíferos

Água salgada

Ureia

Hipotónica

Hipertónica

Rins metanefros

Não bebem água

Terrestre

Ureia

-

Hipertónica

Rins metanefros

Bebem água

Temas relacionados:

Estrutura animal   Tecidos animais   Sistema digestivo   Sistema circulatório   Defesa imunitária   Sistema respiratório   Sistema nervoso   Órgãos dos sentidos   Sistema reprodutor   Reino Animalia   Estrutura vegetal

simbiotica.org

Bookmark and Share