Impacto da alimentação humana no planeta e seus ecossistemas

Algures num país ocidental, um porco está a ser criado numa gaiola ínfima, empilhado com outros porcos de tal forma que é necessário cortar-lhes as caudas para que não se mordam uns aos outros. Para impedir que adoeça nestas instalações exíguas, está carregado de antibióticos e os resíduos que ele e os seus milhares de irmãos produzem são conduzidos a lagoas de estrume que poluem o ar e a água das zonas vizinhas.

A base da sua alimentação é milho produzido com a ajuda de subsídios governamentais e milhões de toneladas de fertilizantes químicos. Quando é abatido, com cerca de 5 meses de idade, vai tornar-se numa miríade de produtos de baixo custo que alimentam o vício em carne que tanto contribui para a epidemia de obesidade que aflige o mundo ocidental. Quando as chuvas vierem, o excesso de fertilizantes que estimularam tanto milho a crescer será lixiviado para as bacias hidrográficas e acabará no oceano, ajudando a criar zonas anóxicas que matam milhões de peixes.

As histórias de horror da indústria alimentar já nos são familiares mas ultimamente as coisas melhoraram bastante, e, de algumas formas, pioraram bastante. Os países ocidentais são capazes de produzir quantidades quase ilimitadas de carne e cereais a preços espantosamente baixos mas com custos elevados para o ambiente, animais e o próprio Homem. Esses custos escondidos são a erosão das terras férteis, galinhas poedeiras mantidas em gaiolas tão pequenas que não conseguem abrir as asas e a preocupante emergência de bactérias resistentes aos antibióticos entre os animais de criação. Acrescente-se a aceleração do aquecimento global, pois o sistema alimentar ocidental de utilização intensiva de energia usa mais de 20% dos combustíveis fósseis, mais que qualquer outro sector da economia.

Mas talvez o pior seja que a nossa alimentação é cada vez pior para nós. Um sistema de produção de alimentos que gera comida barata e que enche literalmente à custa dos produtos mais saudáveis é a principal causa da epidemia mundial de obesidade, que acrescenta milhares de milhões de euros às contas médicas ocidentais. TOPO

Os custos escondidos da alimentação barata

Apesar da cada vez maior consciência pública, a agricultura sustentável (ainda que seja o sector em maior crescimento da indústria alimentar) ainda corresponde a menos de 5% do total, origina produtos mais caros e mais difíceis de encontrar.

Mas com a exaustão dos solos, o impacto do aquecimento global e o inevitável aumento do preço do petróleo (que afectará tudo, desde o fertilizante à conta de electricidade do supermercado), o nosso estilo industrial de produção de alimentos terá que acabar mais cedo ou mais tarde. Com a ascensão dos países em vias de desenvolvimento, centenas de milhões de pessoas vão querer a mesma dieta rica em calorias e proteínas que nos torna tão pouco saudáveis, fazendo subir a procura de carne de aves em 25% por volta de 2015. Mas a Terra já não consegue dar mais. Os alimentos orgânicos, obtidos de forma sustentável, têm fama de elitistas mas todos dependemos do mesmo solo, animais e plantas.

O custo da alimentação nos países ocidentais está cada vez mais baixo, apesar de nos queixarmos da conta da mercearia, mas a comida barata não é comida de borla, tem custos escondidos.

As colheitas, especialmente o milho, são fortemente fertilizadas, tanto com químicos como com subsídios governamentais, o que tem mantido os preços artificialmente baixos, pelo menos até o mercado ter ficado desequilibrado com a produção de biocombustíveis. É por isso que podemos comprar um hambúrguer, batatas fritas e um refrigerante por cerca de €5, uma pechincha se pensarmos que essa refeição contém perto de 1200 calorias, mais de metade das necessidades recomendadas diárias para um adulto.

Então porque é tão errado a comida barata, especialmente se tantos passam fome? Começa por ser errado pois nem todos os alimentos são igualmente baratos: a fruta e os vegetais não recebem os mesmos subsídios que os cereais, logo com um euro podemos comprar 1200 calorias de batatas fritas mas apenas 250 calorias de vegetais ou 170 calorias de fruta fresca. Não admira que estejamos cada vez mais gordos, custa demasiado ser magro.

Outro problema importante são os químicos. Apenas para produzir cereais, os agricultores americanos gastam 10 milhões de toneladas de fertilizantes, que quando acabam no golfo do Novo México contribuem para a zona morta sazonal. Por causa da existência dessa zona morta, a industria pesqueira americana perde 212000 toneladas métricas de peixe todos os anos. Por todo o mundo existem outras 400 zonas mortas semelhantes, com causas semelhantes, destruindo uma das nossas fontes de proteínas mais saudáveis.

Mas a degradação da vida animal por parte da industria alimentar não termina com os peixes. 

Actualmente, a carne e outros derivados animais que consumimos provém de operações concentradas de alimentação de animais (conhecidas pela sigla CAFO em inglês), que são tão industriais como o nome indica. Nelas grande número de animais (mil ou mais para o gado e dezenas de milhar para aves e porcos) são mantidos em instalações exíguas e próximas e engordados para o matadouro o mais rapidamente possível, contribuindo para a eficiência e o preço baixo. Mas os animais não são robots, são seres vivos e sofrem as consequências de viver no equivalente a prisões.

Para sobreviver e crescer nesse tipo de condições, os animais criados para a nossa alimentação precisam de medicamentos, que causam ainda mais danos ao Homem. A utilização excessiva de antibióticos em animais de criação leva, inevitavelmente, a estirpes resistentes de bactérias, que muitas vezes também nos infectam a nós. Estudos estimam que, só nos Estados Unidos, 70% dos antibióticos produzidos são gastos na criação de animais e não em humanos. 

A indústria pecuária defende-se argumentando que essas estimativas são exageradas e que "a resistência é devida à utilização humana e não veterinária". Mas com os medicamentos infalíveis cada vez mais escassos, devia-se limitar o seu uso a humanos o mais possível pois eles não são dados a animais doentes, são uma medida preventiva para os manter em condições deploráveis. TOPO

Produção sustentável de alimentos
GADO ORGÂNICO (1%)
A forma como o gado era criado em tempos idos, ainda considerada a melhor carne do mercado
 GADO CONVENCIONAL (99%)
A maior parte das vacas pode começar a vida em pastagens abertas mas rapidamente acaba em quintas de engorda

Dieta: Erva e feno, o normal para estes animais ruminantes

Suplementos: Geralmente nenhum, embora alguns possam receber antibióticos

Impacto ambiental: Baixo pois o gado em pequenas manadas pode ser deslocado rotativamente para outros pastos, permitindo à erva recuperar sem fertilizantes químicos e a sua presença impede erosão do solo. Com esta densidade de animais não é necessário realizar limpeza do terreno

Impacto humano: Efeito Ómega. A carne vermelha tem má imagem junto dos nutricionistas mas isso pode não ser justo para a carne orgânica, que apresenta mais beta-caroteno, vitamina E e ácidos gordos ómega-3 

Dieta: Erva,  milho e ração. Após alguns meses de vida, o gado é transferido para quintas de engorda onde uma dieta rica em milho o faz ganhar peso rapidamente mas os torna susceptíveis a doenças

Suplementos: Químicos vários. Em parte para o ajudar a sobreviver nas apinhadas instalações de engorda onde as infecções são comuns, o gado recebe antibióticos, hormonas de crescimento, sangue e gordura na ração

Impacto ambiental: Resíduos. Uma quinta com mil cabeças de gado produz até 280 toneladas de estrume por semana, o milho de que se alimenta precisa de milhões de toneladas de fertilizantes e, em última análise, muito petróleo para energia

Impacto humano: Gordura saturada pois alimentar o gado com milho não só o engorda rapidamente como altera a qualidade da carne, que fica com mais gordura saturada 

Há muitos sinais que mostram que o público está a começar a tomar consciência de que a produção de alimentos tem que ser radicalmente diferente no futuro. Na Califórnia, o povo votou a favor de uma lei que garante aos animais criados para a alimentação humana espaço suficiente para se deitarem, levantarem e virarem, por exemplo.

Mas o que será preciso fazer para que a produção sustentável de alimentos se torne a regra e não a excepção?

Claramente tem que se começar por reduzir, ou seja, criar um sistema de muitos produtores locais ou regionais em vez de uns poucos gigantes. A consolidação da industrialização na indústria alimentar reduziu o número de quintas, ainda que cada uma agora alimente muito mais pessoas, mas essa mesma eficiência é que causa os problemas actuais. 

A transição para métodos de produção em menor escala e mais sustentáveis pode ser possível sem perda de produção total mas vai requerer muito mais agricultores do que temos actualmente. Com o desemprego elevado e o empobrecimento das áreas rurais que têm vindo a perder população nas últimas décadas, isso não é algo mau.

Muitos agricultores lutam para sobreviver actualmente, ao mesmo tempo que cada vez pagamos menos pela nossa comida. Os agricultores não são o inimigo, nem o problema, eles precisam de ajuda real pois transformámos a agricultura numa indústria como qualquer outra e não é.

Companhias que vão ainda um pouco mais além já estão a tentar influenciar os seus clientes a tomar opções mais amigas do ambiente. Incluem-se aí campanhas para reduzir o desperdício de comida, servindo doses mais adequadas (estudos revelam que os ocidentais deitam perto de 14% da comida que compram para o lixo), bem como optando por uma dieta rica em fruta e vegetais, que têm uma pegada de carbono inferior à carne.

Até que ponto estão os consumidores dispostos a repensar a forma como comprar alimentos? Para a maioria, o preço vai continuar a ser o m ais obstáculo. Os alimentos orgânicos continuam a custar várias vezes mais que os convencionais mas nem todos os custos podem ser medidos pela conta da caixa registadora. Quando temos em conta os subsídios, os danos ecológicos e o que pagamos em contas médicas depois de nos enchermos de gordura e açúcar, os produtos convencionais parecem menos apelativos.  TOPO

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